Mensagens

A mostrar mensagens de novembro, 2001

As falsas vítimas

João César das Neves, DN, 20011029 Os terroristas de Setembro justificaram o seu acto cruel pelo facto de serem... vítimas. A suposta legitimidade para matar milhares de inocentes vinha da resposta ao alegado imperialismo americano. Este raciocínio é típico desta época e, embora em geral menos sangrento, é hoje partilhado por muita gente. Vivemos num período em que grande parte da violência, mesmo a mais infame, é apresentada como indemnização de vítimas. Uma das nossas grandezas é, sem dúvida, a grande preocupação com a equidade e a justiça. Desde o último século que se vive um grande movimento, de leis, programas e instituições para defesa e promoção dos pobres e desprotegidos, dos excluídos e minoritários. O juízo da História irá, certamente, sublinhar a generosidade e o valor do nosso grande interesse pelas vítimas da opressão, desvantagem e discriminação. Mas até os ideais mais elevados podem ser corrompidos. Por isso, frequentemente a luta contra a injustiça é invocada com pr

Guerra Santa

João César das Neves DN 2001.11.26 As grandes religiões, incluindo o Islão, estão todas de acordo: Deus não gosta nada da violência e da guerra. Ele é o Deus da paz. Mas uma distorção subtil deste ponto tem vindo a ser usada para fazer guerra à religião. Diz ela que a luta entre crentes é inaceitável em qualquer situação. Ela é mesmo incompreensível. O nosso tempo não entende que alguém lute e morra em nome de Deus. Por isso despreza a religião. A agressão é sempre, obviamente, inaceitável. Existe apenas um caso em que a violência se justifica, a legítima defesa. Foi essa a razão que os americanos invocaram para este ataque. O argumento é muitas vezes abusado, mas isso não lhe tira a lógica. Todos a aceitamos. Os combatentes pela liberdade têm um lugar elevado na glória da sociedade ocidental. A nossa opinião pública, tal como todas as culturas em todos os tempos, percebe perfeitamente que uma pessoa ou um povo se levantem em armas para defender as suas vidas, casas, modo de

O bem e o mal

António Pinto Leite Expresso, 2001.11.17  O mês de Novembro do ano 2001 foi o tempo em que uma organização terrorista, capaz do crime de Nova Iorque, ameaçou o Mundo com o uso de armas nucleares. Estes são os dias em que potências nucleares escondem as suas próprias armas, ou se desdobram, talvez mais do que nos bombardeamentos no Afeganistão, a proteger as suas centrais nucleares. Neste contexto, a Humanidade vive com ansiedade diária a nova guerra. A questão de fundo, todavia, está para além dos protagonistas concretos do momento. A questão de fundo da actualidade é uma luta de ontem, de hoje e de sempre, é a luta entre o Bem e o Mal. O Bem e o Mal não tanto entendidos como categorias morais, mas como conceitos que se jogam na fronteira patológica do demoníaco. O Mal existiu, existe e existirá sempre. O Ocidente não tem, sequer, razões para se orgulhar: a evidência mais cruel da maldade humana recente pertence-lhe. Foi Hitler. O que hoje há de novo na tensão entre o

O Sino da Minha Aldeia

Impressiona-me neste artigo a verificação de que a verdade do significado das coisas (como o ritmo do tempo marcado pelo sino da igreja que sacraliza o tempo, isto é, que reconhece a sua origem no Senhor de todas as coisas) é verdadeira para todos, sobretudo para aqueles que vivem de foma mais emenhada a sua humanidade, mesmo que a percebam superficial ou confusamente. Fico contente por isso. Pedro Aguiar Pinto O Sino da Minha Aldeia EDUARDO PRADO COELHO Público, Quarta-feira, 14 de Novembro de 2001 Dizem os jornais que a Direcção-Geral do Ambiente solicitou à Igreja Católica o cumprimento da lei do ruído. Ao que parece, há pessoas que não conseguem dormir porque os sinos lhes interrompem o sono. Sobretudo (e neste ponto não se pode deixar de lhes dar razão) quando os sinos por campânulas são substituídos por mecânicos sistemas de amplificação sonora. Propõe-se assim que, sobretudo entre as 22 horas e as 7 horas da manhã, os sinos deixem de tocar - para que cada um possa ter o

A Banalidade do Mal

JOSÉ VÍTOR MALHEIROS Público, Terça-feira, 13 de Novembro de 2001 Nunca um acidente de um enorme avião de passageiros foi recebido com maior frieza que o do Airbus que ontem se esmagou no bairro de Queens, em Nova Iorque, matando todos os seus ocupantes. Depois de um primeiro momento de suspensão, em que se receou que pudéssemos reviver os momentos do ataque às torres do World Trade Center, em que se imaginou um segundo aparelho espetando-se na parede espelhada da sede das Nações Unidas, ou outro desastre encenado frente às câmaras que apontavam à distância para Queens, a adrenalina diminuiu até a excitação se transformar numa quase indiferença, à medida que a tese do possível ataque terrorista não era confirmada pelos dados. Claro que a população das zonas limítrofes teve o seu momento de pânico (não é todos os dias que cai um avião na nossa rua), mas mesmo os moradores de Queens que foram entrevistados pelas televisões mostravam um sangue-frio de cirurgiões de Serviço de Urg

O maior dom

João César das Neves Diário de Notícias, 20011112 Tempo é dinheiro. E nos tempos que correm, com a enorme ocupação geral, tempo é mesmo muito dinheiro. Por isso, dar tempo aos outros é hoje uma das ofertas mais difíceis e valiosas que se podem fazer. Estamos no Ano Internacional dos Voluntários, iniciativa com que a ONU pretende chamar a nossa atenção para a miríade de actividades desinteressadas em que, um pouco por todo o mundo, muitas pessoas se entregam em solidariedade ao próximo. Dada a estrutura da vida moderna, estas iniciativas contam-se entre as dádivas mais generosas da sociedade contemporânea. A opinião corrente é que vivemos num mundo egoísta e impiedoso, mesquinho e calculista, onde nada se dá sem receber algo em troca. No entanto, nesta como em todas as épocas, existem muitos exemplos grandiosos de benevolência generosa e altruísmo empenhado que nascem de uma nobre atitude de vida. As sociedades mecânicas e capitalistas, onde o poder de mercado domina, são também a

Um Certo Islão e Um Certo Ocidente

ANTÓNIO BAGÃO FÉLIX* Público, Domingo, 4 de Novembro de 2001 O que certo Islão fanatizou por excesso, certo Ocidente banalizou por defeito: a religião. O que certo Islão transformou em imposição e intolerância, certo Ocidente escarneceu com pretensa superioridade: a tradição. O que certo Islão assassinou na perseguição, certo Ocidente desvalorizou no comportamento: a virtude. O que certo Islão fingiu combater, certo Ocidente conseguiu trivializar: o vício. O que certo Islão diabolizou, certo Ocidente relativizou: o bem. O que certo Islão espalhou, certo Ocidente consentiu: o mal. O que certo Islão abusou, certo Ocidente corrompeu: o respeito pela Vida. O que certo Islão anulou, certo Ocidente deixou de consultar: a consciência. O que certo Islão proibiu, certo Ocidente comercializou: o prazer sem limites. O que certo Islão desviou para o mal, certo Ocidente idolatrou como fim supremo: o dinheiro. O que certo Islão fabricou em nome do mal, certo Ocidente destruiu em nome do igualitar

Afeganistão: Uma Guerra com Sexo

ZITA SEABRA Público, Domingo, 4 de Novembro de 2001 Já se entendeu em todas as guerras recentes que tão importante como a condução das operações militares no terreno é a capacidade de fazer propaganda. Está em muitas memórias a influência decisiva da divulgação da fotografia da menina vietnamita bombardeada com Napalm para o desenlace da guerra do Vietname, e ainda não estávamos, como hoje, na era das comunicações, da televisão, da Net. Vivemos presentemente um tempo em que tudo está tão próximo de nós, que temos a sensação de que a informação é neutra e isenta, que não é possível que ninguém a filtre e que somos nós, cada um de nós, que está no terreno a julgar com os seus próprios olhos o que se está passando. Há, porém, um momento em que consciencializamos o que estamos a ver e sobretudo o que estamos a não ver. É esse o momento em que a passividade do telespectador dá lugar à indignação, por vezes tão profunda que temos necessidade de a partilhar com outros. Tudo isto vem a p