PM ou personal trainer?

07.01.2008, Público, Helena Matos
Durante o ano de 2007 foram várias as reportagens que nos prometeram mostrar "Sócrates por detrás do pano" ou dar "um olhar diferente" sobre o nosso primeiro-ministro. Sempre anunciadas como o "retrato do homem", tendo como objectivo a revelação do lado mais privado do primeiro-ministro, estas reportagens não revelam nada. Criam sim o portfólio de imagens e clichés que os líderes e demais protagonistas destas reportagens querem, gostam e precisam que os outros retenham deles.
No caso de Sócrates o nó da gravata, a caneta, os livros, a namorada... fazem parte dos tópicos obrigatórios destas viagens ao seu "lado humano". Estas encenações do privado e a capacidade de fazer os cidadãos acreditar que há sempre algo para descobrir é uma capacidade que alguns políticos têm e que todos desejam ter. Em abono da verdade acrescente-se até que Sócrates nem sequer é o líder nacional que mais ou melhor vantagem tem tirado desta velha técnica de propaganda.
Mas das imagens que Sócrates quer que fixemos dele há uma - a da corrida - que merece ser destacada, porque, para lá das referências óbvias a um perfil jovem, saudável, dinâmico e por vezes solitário que o primeiro-ministro quer transmitir de si mesmo, essa imagem de Sócrates enquanto corredor traduz muito daquilo que é a sua concepção do povo, do país e do poder.
Sócrates faz parte duma geração de políticos que não tem nem cultura nem experiência de vida: não foi exilado, não foi à guerra, não foi pobre, não perdeu tudo nem ganhou muito, não contestou nem arriscou. Faz parte duma geração que já não temeu pela vida, nem jurou dá-la. O saber não foi para ele um risco, uma paixão ou uma escolha. Sócrates já é do tempo em que o ensino deixou de ser um privilégio para se tornar obrigatório e por isso desvaloriza os diplomas. Dir-se-á que era tempo desta geração chegar ao poder. Claro que sim. Mas o que nos sobrou não foi um líder com convicções políticas ou um homem temperado pelos factos. Foi sim um produto da máquina partidária. E por isso Sócrates governa como corre: começou por correr 20 minutos, agora faz meia maratona. A própria concepção que tem do poder é a dum personal trainer. E o seu objectivo é transformar o país numa espécie de spa. Sócrates trocou o socialismo pela saúde. As polícias políticas pela ASAE e pelas balanças. Transformou os fumadores numa espécie de inimigo público. Os gordos virão a seguir. A cereja no topo do bolo foi o abaixamento do IVA para os ginásios, enquanto o custo de vida sobe e a carga fiscal atinge níveis sufocantes.
Na verdade, o país da rua, dos transportes, das pessoas comuns irrita e enoja o nosso primeiro-ministro. No país-spa de Sócrates o desemprego é um problema de velhos. As urgências hospitalares uma questão que apenas atrai mulheres de bata traçada desconhecedoras das vantagens da alimentação saudável. A única salvação que o primeiro-ministro parece entrever para os portugueses é o ginásio - e por isso os trata com desvelo fiscal - e os campos de golfe, resorts e projectos turísticos de luxo aos quais atribui o selo PIN para que sejam rapidamente aprovados e assim apaguem aquelas nódoas populares da paisagem. O projecto político de Sócrates não existe. Ele tem sim um método: estilizar-nos e através dos ditames do estilo governar.
E sobretudo Sócrates tem de correr, correr cada vez mais. Porque acredita que o impulso de cada uma dessas passadas se pode tornar no movimento perpétuo que o manterá no poder.

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