Lopes Ribeiro, o senhor cinema, Eurico de Barros, DN080416

Efeméride. Faz hoje cem anos que nasceu em Lisboa, numa casa da Rua do Conde Redondo, o realizador António Lopes Ribeiro. Fez tudo o que havia para fazer no cinema e muitas coisas mais noutras artes e em várias áreas

LOPES RIBEIRO, O SENHOR CINEMA
No texto autobiográfico que escreveu para o catálogo da completíssima retrospectiva que a Cinemateca lhe dedicou em 1983, faz agora 25 anos, e que ficou como o esboço das memórias que nunca chegou a escrever, António Lopes Ribeiro conta que a casa de Lisboa onde nasceu, faz hoje cem anos, tinha traseiras para o pátio do Hospital de Rilhafoles, o manicómio da capital à época. Escreve o realizador a propósito: "E minha mãe dizia que isso devia ter tido certa influência sobre mim..." É que o autor de O Pai Tirano nunca foi capaz de estar quieto.

Originário de uma família ligada ao teatro, às letras e às artes plásticas, António Lopes Ribeiro foi um homem do Renascimento nascido no século XX do modernismo, num mundo que "passava veloz e apressado pelo culto das formas e dos gostos novos", como escreveu Luís de Pina na introdução àquele catálogo, e que o levou a fazer-se "na acção directa, no entusiasmo criador, na variedade dos actos de intervenção".

No cinema, sua arte de eleição, e cujo valor revolucionário e inovador percebeu desde muito cedo, António Lopes Ribeiro fez de tudo. Foi realizador, produtor, argumentista, fundador de revistas, crítico (um dos mais jovens da Europa) e até tradutor e legendador de filmes. Visitou a Alemanha e a Rússia, conheceu Eisenstein, Vertov, Murnau, Lang, Ford, René Clair ou Jean Renoir, que almoçou em sua casa.

Esteve activo na apologia do cinema sonoro, na criação dos estúdios da Tobis, no registo documental dos actos e das obras do regime que sempre apoiou convictamente e nunca renegou, no lançamento dos jornais de actividade cinematográfica, na legislação para o sector, na oposição à dobragem e na defesa da legendagem e na tentativa do lançamento de pontes para a co-produção com a Espanha ou o Brasil.

Lançou a Missão Cinegráfica às Colónias de África, em 1938, produziu clássicos do cinema português como O Pátio das Cantigas, de seu irmão Ribeirinho (1941) Aniki-Bobó (1942), de Manoel de Oliveira, que lançou internacionalmente, ou Camões, de Leitão de Barros (1946), e realizou outros, como O Pai Tirano (1 941) ou Amor de Perdição (1943). Nos anos 60, com o advento da televisão, prolongou na RTP a sua actividade de divulgador da cultura cinematográfica dos tempos das revistas e da crítica, no popularíssimo programa Museu do Cinema, que interrompeu voluntariamente a 25 de Abril de 1974, e retomou em 1982.

Este homem que fez e corporizou mais de meio século de cinema português, sempre numa perspectiva inteligente, activa e intransigentemente nacional, não se ficou pela Sétima Arte. António Lopes Ribeiro esteve também no teatro, na literatura, na poesia, na tradução, no jornalismo, na banda desenhada, na publicidade, na filatelia, na rádio e na televisão (até foi actor na telenovela Chuva na Areia, em 1984). Era um aspirador intelectual e um ávido de todo o tipo de conhecimento, bem como um notável conversador.

Chamaram-lhe "cineasta do regime" e "propagandista do Estado Novo" (a que aderiu "mais por ser novo do que por ser Estado"), como notou saborosamente o citado Luís de Pina. A questão é que os grandes filmes não deixam de o ser por serem propaganda, nem o talento dos seus autores sai diminuído por isso.

Propaganda, e de sistemas políticos infinitamente piores do que o nosso provinciano regime autoritário, fizeram mestres do cinema como Eisenstein e Leni Riefenstahl; propaganda, básica e escancarada, fizeram John Ford, Frank Capra, David Lean e muitos outros cineastas anglo-saxónicos na II Guerra Mundial; propaganda ao fascismo italiano fez Rossellini, tal como Kurosawa ao militarismo nipónico.

Quanto mais pobre teria sido o cinema português, e Portugal mais triste e menos Portugal, sem António Lopes Ribeiro.| ;

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