Habituem-se: Mundo pós-europeu

Henrique Raposo, Expresso, 080607
henrique.raposo79@gmail.com

Através da globalização, o terceiro mundo cresceu; milhões e milhões saíram da pobreza graças ao capitalismo. Mas a Europa nunca percepcionou esta realidade
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Durante as últimas décadas, os «media» europeus alimentaram-se de uma mentira produzida pela esquerda reaccionária e ‘iliberal’. Que mentira? A mentira que descrevia a ‘globalização neoliberal’ como a sarna do mundo. A ‘globalização predatória’, rezava a lenda, era um processo que enriquecia o Ocidente e que, por consequência, empobrecia o resto do mundo. Todos os factos e imagens eram filtrados por esta grelha de leitura. É por isso que os «media» nunca mostravam a ascensão económica da China, Índia, Malásia, etc. Os jornalistas europeus só estavam interessados em imagens que revelassem pobreza, visto que eram essas as imagens que alimentavam o mito da globalização predatória.
Através da globalização, o terceiro mundo cresceu; milhões e milhões saíram da pobreza graças ao capitalismo. Mas a Europa nunca percepcionou esta realidade. Aliás, para os europeus, esta ascensão não-ocidental nem sequer devia existir, visto que a globalização deveria estar a empobrecer e não a enriquecer o terceiro mundo. A emergência liberal da Índia, por exemplo, é uma aberração contranatura para muitos europeus, que continuam a não perceber porque razão Nova Deli já não quer ser socialista, pobre e espiritual.
O preço da comida aumenta porque - felizmente - os chineses já comem um bife ao jantar. O preço da gasolina aumenta porque a rapaziada indiana - felizmente - já tem um carro para namoros intercastas. Os europeus, porém, ainda não conseguem encaixar estes factos e, por isso, recorrem à falácia da ‘especulação’; procuram um bode expiatório para um ‘Mal’, quando deviam perceber que esta crise resulta de um ‘Bem’ (milhões a sair da miséria). A Europa precisa de uma nova narrativa, de uma nova ‘lente’ analítica. E a ‘lente’ mais adequada para corrigir a miopia europeia é a seguinte: vivemos num mundo pós-europeu e pós-atlântico, onde a Europa e o Atlântico Norte perderam a sua velha centralidade. O resto do mundo já não é o condomínio privado do Ocidente. Os ‘outros’ já não querem ser pobres, puros e espirituais. Habituem-se.
Para terminar, só queria dizer que estou analiticamente feliz. Durante os anos 90, na faculdade, eu defendia que a globalização era benéfica para o mundo. Diziam que eu era “um neoliberal sem coração”. Afinal, eu tinha razão. Agora, nos corredores da investigação, defendo - há vários anos - que vivemos num mundo pós-europeu. Até ao mês passado, diziam que eu era “o maluquinho dos BRIC”. Parece que, afinal, não sou maluquinho. O mundo deu-me razão. Obrigado, mundo!

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