Guerra entre gerações

Expresso, 20080920
Henrique Raposo
henrique.raposo79@gmail.com

Os seres humanos detestam lidar com a realidade. Os portugueses ainda menos
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Há dias, Constança Cunha e Sá acertou no alvo. Em resumo, a cronista do 'Público' dizia que Portugal gosta de viver numa actualidade mediática sem contacto com a realidade. Constança Cunha e Sá comentava a situação no PSD, mas este ponto (actualidade vitoriosa «versus» realidade esquecida) pode ser aplicado à portugalidade por inteiro. Os seres humanos detestam lidar com a realidade. Os portugueses ainda menos.
Na semana passada, enquanto o país virtual discutia bagatelas mediáticas como a relevantíssima lei do divórcio, o país real ofereceu-nos uma notícia chocante: em 2007, pela primeira vez na história recente de Portugal, ocorreram mais óbitos (103.512) do que nascimentos (102.492). Esta notícia deveria ter despertado o país para uma discussão séria sobre o assunto. Afinal, a demografia é a carótida de qualquer nação. Mas, na verdade, esta queda demográfica foi ignorada em Lisboa. No ano da graça de 2008, a crise demográfica, a mais real das realidades, não consegue penetrar na agenda mediática de políticos, jornalistas e comentadores. Num claro sinal de decadência, a elite portuguesa despreza o batimento cardíaco do seu próprio país.
Ninguém gosta de trazer a questão demográfica para a ‘agenda’ porque isso implica colocar em causa muitos privilégios. Passo a explicar porquê. Quem é que tem filhos? Resposta evidente: os casais jovens na casa dos 20/30 anos. Sucede que, em Portugal, a vida para um jovem casal é uma guerra civil permanente. E esta guerra trava-se em dois campos de batalha: o mercado de habitação e o mercado de trabalho. Na procura de casa e na busca de emprego, os jovens portugueses enfrentam sempre o mesmo inimigo: a legislação que protege os ‘instalados’. Um jovem casal não consegue arrendar uma casa (porque não se pode descongelar a renda dos velhinhos...) e está condenado às migalhas dos recibos verdes (porque não se pode mexer nos empregos vitalícios dos mais velhos...). Neste cenário de injustiça geracional, como é que podem exigir bebés a um jovem casal? Em Portugal, os dois pontos cardeais de qualquer sociedade (emprego e casa) estão codificados para beneficiar o ancião que deseja ser avô. Obviamente, isto cria imensos obstáculos ao jovem que ambiciona ser pai.
Resolver a crise demográfica implica retirar regalias habitacionais e laborais às gerações mais velhas. É impossível fazer isto neste regime? Não sei. Mas sei de uma coisa: um regime de gente velha, feito por gente velha e para gente velha não merece crianças no berço.

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