Ainda a propósito do preservativo

DN, 26.03.2009
Maria José Nogueira Pinto

O Papa é um chefe religioso. Quando fala para os milhões de católicos que, por todo o mundo, acorrem a escutar a sua palavra, estes não esperam que fale como um funcionário da Organização Mundial de Saúde ou como um qualquer ministro. Nem tão-pouco como um demagogo ou um profeta. Sucessor de Pedro, que foi mandatado por Cristo para fazer a Sua Igreja, o Papa quando vai itinerante pelo mundo, evangeliza na mais pura tradição do que foi e é essa Igreja. O que significa o testemunho da verdade, do caminho e da luz, sem qualquer embuste fácil de correcção política. Foi o que Cristo fez, irritando os poderes políticos, económicos e sociais do seu tempo, que o julgaram, açoitaram e crucificaram.
Este incidente tão mediatizado revelou dois interessantes aspectos da forma mentis deste tempo em que vivemos. A primeira tem a ver com o comportamento dos que não têm fé, e por isso não acreditam em nada do que estou aqui a escrever. Dúvida que me surge: se não acreditam porque é que se incomodam tanto com o que o Papa diz? Será porque, como alguns vaticinam, as religiões poderão substituir, no século XXI, as ideologias? E isso é, só por si, ameaçador? E quem deu cabo das ideologias? Foram as religiões? Não me parece. A segunda tem a ver com a religião à la carte, adoptada pelos que acreditam mas não concordam, e querem uma religião à medida das concessões que foram fazendo ao longo da sua vida e, de acordo com cada circunstância concreta, uma ementa de interpretações onde caiba tudo e eles próprios.
Em todos os discursos proferidos pelo Papa na sua visita aos Camarões, não há qualquer referência ao preservativo. Na resposta a um jornalista sobre esta questão, Bento XVI responde nos seguintes termos "(…) não se pode solucionar este flagelo apenas com a distribuição de profilácticos: pelo contrário, existe o risco de aumentar o problema." Quem lide de perto com a sida sabe que é mesmo assim (veja-se o caso português em que apesar da distribuição gratuita de preservativos e da troca de seringas não melhora os seus indicadores). O combate a este flagelo passa hoje, graças ao progresso científico, por outras coisas, mais complexas, mais difíceis e mais caras e às quais os doentes africanos não têm acesso (nem muitos portugueses…). Tão-pouco o Papa foi aos Camarões recomendar a abstinência sexual como solução para a sida. Exortou sim à humanização das relações interpessoais em geral, e da sexualidade em particular.
Para além disto - um ínfimo episódio no contexto da digressão africana - o Papa falou de tudo o que realmente interessa: a corrupção, o desperdício de recursos, o tribalismo, a lei do mais forte, a particular situação das mulheres, a fome, a doença, o imperativo da paz. Os milhões de africanos que caminharam ao encontro do Papa fizeram-no com o espírito de confiança que a Igreja cimentou nesses países onde está, não apenas na liturgia dos templos, mas no terreno, junto das populações, cuidando, tratando, acolhendo, provendo, como pode, à satisfação das suas necessidades mais básicas. Neste Continente que tantos dão de barato como "perdido", a Igreja desenvolve diariamente mil e uma acções junto daqueles que a geografia privou de toda a dignidade.
Pode-se não acreditar, não ter fé, acreditar e discordar mas não se pode inventar uma outra religião mais conforme aos ditames intelectuais que hoje nos regem, com outra lógica, com outros fundamento. A Igreja que foi a África foi de visita aos seus filhos mais abandonados. Não foi cobrar impostos nem pedir votos, nem fazer campanha mediática. Foi levar a esperança e dizer a verdade. Por isso mesmo é que os africanos a receberam de coração aberto.

Comentários

Nuno disse…
Lúcido, claro e verdadeiro.
Os meus parabéns!
Anónimo disse…
Enviaram-me esta semana esta mensagem que acho pertinente partilhar:

"O Papa está certo",
diz uma autoridade mundial no combate à AIDS
"Eu sou um liberal nas questões sociais e isto é difícil de admitir, mas o Papa está realmente certo.
A maior evidência é que as camisinhas não funcionam como uma intervenção significativa para reduzir os índices de infecção por HIV na África."

Esta é a afirmação do médico e antropólogo Edward Green, uma das maiores autoridades mundiais no estudo das formas de combate à expansão da AIDS.
Ele é director do Projecto de Investigação e Prevenção da AIDS, do Centro de Estudos sobre População e Desenvolvimento da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

Em entrevista concedida a jornalistas no avião papal rumo à África, Bento XVI afirmou que a AIDS não vai ser controlada só com a distribuição de preservativos.
Para o Pontífice, a solução é "humanizar a sexualidade com novos modos de comportamento". Por estas declarações, o Papa foi alvo de críticas.

O Dr. Edward Green, com 30 anos de experiência na luta contra a AIDS, tratou do assunto no site National Review Online (NRO) e foi entrevistado no Ilsuodiario.net.

Ele diz que a contaminação por HIV está em declínio em 8 ou 9 países africanos. E diz ainda que em todos estes casos, as pessoas estão a diminuir a quantidade de parceiros sexuais. "A abstinência entre jovens é também um factor, obviamente. Se as pessoas começam a fazer sexo na idade adulta, acabam por ter menor número de parceiros durante a vida e diminuem as oportunidades de infecção por HIV".

Green também aponta que quando alguém usa uma tecnologia de redução de risco, como os preservativos, corre mais riscos do que aquele que não a usa. "O que nós vemos, de facto, é uma associação entre o crescimento do uso da camisinha e um aumento dos índices de infecção. Não sabemos todas as razões para isto. Em parte, isto pode acontecer por causa do que chamamos 'risco compensação'".

O médico também afirma que o chamado programa ABC (abstinência, fidelidade e camisinha – esta somente em último caso), que está em funcionamento em Uganda, torna-se eficiente para diminuir a contaminação.

O governo da Uganda conseguiu reduzir de 30% para 7% a percentagem de contaminação por HIV com uma política de estímulo à abstinência sexual dos solteiros e à fidelidade entre os casados. O uso de camisinhas é defendido somente em último caso. No país, por exemplo, pósteres incentivam os que usam as camisinhas – considerado um grupo de risco - a serem fiéis às suas esposas.
Anónimo disse…
A Maria José Nogueira Pinto mais uma vez acertou em cheio nos seus comentários. Muniu-nos de todos os bons argumentos para discutirmos em público com todos os que não perdem uma oportunidade para denegrir a Igreja e o Papa. È que é de argumentos mesmo que precisamos. Obrigada!
Teresa Seruya
jcerca disse…
Li e gostei deste artigo,pela lucidez e veracidade dos seus argumentos. Aliás, transcrevi mesmo parte dele no meu blog num artigo que escrevi também sobre esta assunto
"O Papa e o preservativo" que poderá ser lido aqui:
http://mirante.aroucaonline.com/2009/03/26/o-papa-e-o-preservativo/

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