A de Alarme

Diário de Notícias, 20090509

Alberto Gonçalves

Sexta-feira, 8 de Maio

A de alarme

Primeiro era o verbo, ou, no caso, o nome. A gripe, que não podia ser "mexicana" para não ofender os mexicanos, também não podia ser "suína" para não ofender os judeus, os muçulmanos, os vegetarianos e, presumo, os próprios suínos. Arranjou-se então a letrinha "A", baptismo anódino que até ao momento não ofendeu ninguém.

Agora, o problema é o modo. Leio que um jornalista checo acabou despedido da televisão onde trabalhava após publicar (no seu "blogue" privado) uma filmagem dele e de alguns colegas a grunhirem quando interrogados sobre a peça jornalística que estavam a tratar. Com certeza, os patrões do infeliz tomaram a brincadeira por um desrespeito a uma doença que aparentemente merece a solenidade sombria que se costuma dedicar ao Holocausto.

E nem o Holocausto serve de comparação, visto que já foi alvo de galhofa na literatura, no teatro, na televisão e no cinema (se quiserem dou exemplos). Sem consequências ou proibições. A gripe suína, perdão, a gripe A, é de outra grandeza. A Organização Mun- dial de Saúde estima que a calamidade atinja dois milhares de milhões de pessoas. Por enquanto, atingiu 3440, pelo que só faltam 1.999.996.560. Em Portugal, conjecturam-se 75 mil mortos. Só faltam 75 mil.

Mesmo presuntivos, os números da tragédia impõem enorme respeito, um respeito proporcional ao alvoroço que as instituições de saúde e os media criam em seu redor. Se calhar, e a fim de evitar a blasfémia, o ideal é adoptar luto prévio e nem sequer mencionar a gripe, princípio que, aqui em Nova Iorque, passei a seguir escrupulosamente: sempre que falei nos respectivos perigos aos cidadãos comuns, estes desatavam a rir ou olhavam-me como se fosse maluco. Provavelmente, parecia.

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