Lições da Grande Depressão

DN 20090511

João César das Neves

Nos últimos meses fala-se muito da Grande Depressão, o terrível período de 1929 a 1933 que eliminou 28% da economia americana, atirando o desemprego para cima dos 24%, com efeitos devastadores por todo o mundo. A referência não é novidade, pois foi invocada repetidamente nos últimos 80 anos. Não há soluço produtivo sem se ouvir a lembrança da Depressão. Terá desta vez algo a ensinar-nos?

O que mais chama a atenção, hoje como então, é o mais irrelevante. A especulação e fraudes financeiras são apaixonantes, dramáticas ou divertidas, conforme o ponto de vista, mas sempre laterais. Outras turbulências financeiras parecidas não geraram nada de comparável. O que fez da Grande Depressão o fenómeno espantoso que indiscutivelmente é não foi o detonador, mas o mecanismo de transmissão. Alguma coisa transformou um colapso forte, mas banal, numa catástrofe sem precedentes. Nesse sentido, a Depressão é única na história.

Os especialistas estão de acordo que o problema veio, não natural e inevitavelmente, mas por culpa dos responsáveis, "efeito indesejado de uma interacção entre instituições mal-desenhadas, políticas míopes e precondições político-económicas desfavoráveis" (Ben Bernanke, Essays on the Great Depression, Princeton University Press, 2000, p. 8). Em particular, os bancos centrais seguiram precisamente a estratégia inversa à recomendável, reduzindo a moeda em circulação, precipitando falências bancárias e estrangulando a economia.

Essa lição decisiva está bem aprendida. Aliás, que um dos maiores especialistas vivos sobre o período, o citado Bernanke, seja hoje presidente do banco central americano é disto um sinal claro. Apesar das críticas infantis de tantos acerca dos "milhões para a banca", as autoridades estão conscientes da necessidade urgente de sustentar as instituições financeiras que, por muito irresponsáveis que fossem na euforia anterior, continuam a ser pilares fundamentais da sociedade. Deve-se punir os gestores mas salvar os bancos.

Persiste no entanto um grande mistério acerca da Depressão. Uma contracção monetária só cria tal desemprego e falências se passar para a actividade produtiva. Aí, uma das grandes correias de transmissão situa-se nos salários. Ninguém hoje ainda entende bem como, perante uma queda tão acelerada de preços e eliminação maciça de empregos, as remunerações tenham demorado tanto a ser reduzidas. "Os salários e outros custos deviam ter caído a par dos preços para limitar o aumento do desemprego e o declínio nas vendas. Fizeram-no só moderadamente" (op. cit. p. 277).

Esta terrível lição da Depressão ainda não está bem aprendida, pelo menos em Portugal. O nosso país já anda há dez anos a perder competitividade face aos parceiros, precisamente porque os salários têm ultrapassado a produtividade. Quando em cima da crise nacional surge um colapso internacional, a moderação salarial deixa de ser decisiva para passar a vital. É evidente que este ano os ordenados portugueses deviam, senão descer, ao menos manter o seu valor.

Os trabalhadores com empregos em risco há muito que sabem isto instintivamente. As negociações nos sectores em concorrência internacional têm atendido à produtividade e a redescoberta do lay-off, prática típica dos anos 1930, é tradução desse efeito. O ajustamento da semana de trabalho, reduzindo o horário e pagamento para atender às dificuldades, sem eliminar os postos de trabalho, é terrível, mas corajoso e inteligente, dada a recessão.
O desajustamento dos salários nacionais vem, não desse lado, mas da percentagem crescente de trabalhadores que não têm empregos em risco. Os sectores sociais, directa ou indirectamente ligados ao Estado, não sofrem concorrência ou efeitos da crise. Esses podem ter reivindicações teóricas, atendíveis em ano de eleições por aumentos de impostos sobre a economia em contracção. Oitenta anos depois, estas são as instituições mal-desenhadas, políticas míopes e precondições político-económicas desfavoráveis que nos podem empurrar para a depressão.

João César das Neves

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