Claros e escuros das notícias sobre o sucesso escolar

José Manuel Fernandes, Público 20090825

É muito bom termos, de novo, cursos profissionais mais acessíveis, mas que asseguram bons empregos. É lamentável que no resto do sistema o nível de exigência esteja a ser nivelado por baixo


A diminuição do insucesso e do abandono escolar é uma boa notícia. Mas só se for verdadeira. Verdadeira por significar que estamos a formar gerações de jovens mais classificados. Não verdadeira, se se verificar que os números mascaram uma realidade menos dourada.
Com toda a honestidade é difícil, face aos elementos fornecidos pelo Ministério da Educação, deitar foguetes ou atirar ovos podres: os números são escassos e as regras do jogo confusas. Tentemos destrinçar o melhor do pior.
Comecemos pelo pior, evitando o recurso fácil às acusações de facilitismo.
Podemos indicar duas mudanças importantes no sistema de ensino que, mesmo tendo muitos aspectos criticáveis, vão (ou deviam ir) na boa direcção. Ambas se ligam ao desenvolvimento (ou mesmo forte aposta), por este Governo, de uma vertente de formação profissional que tinha sido abandonada desde a famosa "Reforma Veiga Simão" e do fim do "ensino técnico". Até ao 9.º ano foram criados processos de recuperação de alunos que haviam deixado o sistema de ensino genericamente designados como "cursos de educação e formação". No chamado "ensino secundário", vocacionado para o acesso ao ensino superior, os antigos cursos ditos "profissionalizantes" assumiram-se como cursos profissionais e foram capazes de captar muitos jovens que, noutras circunstâncias, teriam deixado o sistema de ensino.
É bom que, sem qualquer tipo de preconceito ideológico, se tenha assumido que há alunos que dificilmente exercerão profissões com qualificações superiores, optando por desenvolver cursos que oferecem saídas profissionais e não requerem o estudo aprofundado de Os Lusíadas ou de derivadas. Trata-se de ser pragmático e perceber que nem todos podem, ou devem, ser "doutores", sobretudo se o seu destino for acabarem como caixas de supermercado ou motoristas de táxi.
Olhando para os números só deste ponto de vista o sucesso é inegável. Mas há um reverso da medalha. Ou mais do que um.
O primeiro problema colocado pelas estatísticas ontem divulgadas pelo Ministério da Educação é que estas fornecem pouca informação. Mais: todos os esforços do PÚBLICO para completar essa informação chocaram com a habitual relutância da administração pública em fornecer as bases de dados e não apenas os números trabalhados "à sua maneira". É um escândalo numa democracia, tornou-se uma rotina com este Governo que trata toda a informação estatística como se de um segredo de Estado se tratasse.
Mesmo assim a informação que essas estatísticas fornecem permite verificar que o "grande salto" foi dado apenas nos dois últimos anos lectivos. Porquê? Uma das explicações ontem adiantadas por professores que conhecem bem as escolas é que o novo Estatuto do Aluno, que foi muito criticado por promover o laxismo e diminuir a autoridade dos professores, automaticamente impede as chamadas "retenções" - a que os mais velhos ainda chamam chumbos... - por faltas. Por outro lado, são inúmeros os exemplos, alguns dos quais chegaram a ser debatidos nestas páginas, da pressão que existe para evitar que os alunos tenham de repetir um ano lectivo, mesmo que, manifestamente, não tenham adquirido as competências, o saber correspondente. Obrigar um aluno a repetir o ano é algo que o "eduquês" condena com veemência, condenação que se tornou doutrina oficial do actual ministério.
Este quadro torna difícil acreditar nos cenários dourados que apontam para mecanismos como as aulas de recuperação ou uma melhor formação de professores como factores do aparente sucesso: mais depressa se olha para escola e se encontram casos de exames mais fáceis e de conselhos de turma onde os docentes discutem qual deles vai perdoar a negativa a um aluno para não ficar... "retido".
Em síntese: se uma orientação correcta - a abertura de mais vias no ensino profissional - explica uma parte dos sucessos, há orientações e práticas erradas que permitem que as taxas de insucesso baixem não porque as escolas estão a produzir alunos melhor formados, antes porque se acomodaram a menores níveis de exigência. Estes afectam depois a qualidade do ensino superior, como muitos docentes que dão aulas aos primeiros anos verificam ano após ano.

Uma última nota, porventura ridícula para quem está no sistema, mas chocante para quem toma à letra as palavras dos governantes e, depois, se confronta com a letra da lei, lei neste caso anterior ao actual Governo: os nossos nove anos de escolaridade obrigatória não correspondem à obrigatoriedade de completar o 9º ano, apenas à obrigatoriedade de frequentar a escola (mesmo que não aprendendo nada) até aos 15 anos, altura a partir da qual a lei portuguesa permite que se trabalhe sem cair na moldura penal do trabalho infantil. Confessando ao mesmo tempo a ignorância sobre este "detalhe" mas assumindo a revolta por esta pantomina, é caso para dizer que nunca deixaremos de ser um país de opereta. E opereta fanhosa.

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