Nem só de pão vive o homem, senhor engenheiro

Miguel Tavares

DN 20090808

José Sócrates está convencido de que não há ninguém mais belo do que ele. E é essa vaidade que o perde.

José Sócrates é um homem a quem não faltam qualidades para ser primeiro-ministro. Gosta do poder e não se envergonha disso. Despreza a conversa do político sacrificado ou do homem providencial. Trabalha horas sem fim e não se queixa. Deseja deixar a sua marca no País. É o primeiro-ministro que mais esforço fez para fazer avançar reformas essenciais desde Cavaco Silva. Aguenta a contestação da rua. Protege os seus ministros. Acredita sinceramente no que anda a fazer. E acima de tudo, está lá sempre, não desiste, não vira a cara, vai à luta, jamais abandona o barco. Ter um primeiro-ministro com capacidade de liderança, com perseverança e com coragem já é ter alguma coisa. Na verdade, é ter mais do que aquilo a que estávamos habituados desde Cavaco. Se me perguntassem: "entre José Sócrates e Manuela Ferreira Leite, qual tem mais capacidade para desenvolver o País e o pôr a andar para a frente?" Eu não teria qualquer dúvida em responder: "José Sócrates." E no entanto, jamais votaria nele nas próximas eleições.

"Nem só de pão vive o homem", responde um Jesus esfomeado ao diabo quando por ele está a ser tentado no deserto. Infelizmente, o alcance desta frase milenar (já vem do Antigo Testamento) está muito para além da arquitectura mental do senhor engenheiro. Então ele pensa: se eu me esforço, se eu faço, porque é que não sou admirado por isso? E é no labirinto desta pergunta que José Sócrates se perde, tal como a rainha na história da Branca de Neve ao olhar para o seu reflexo: "espelho meu, espelho meu, haverá alguém no mundo mais bela do que eu?" Sócrates está convencidíssimo de que não há ninguém mais belo do que ele, se não no mundo, pelo menos em Portugal. E é essa vaidade que o trai. Não falo, evidentemente, de o seu número de calças ser o mesmo de quando tinha 20 anos, como chegou a confessar ao Expresso. Falo, isso sim, da certeza das suas qualidades enquanto primeiro-ministro e do caminho que traçou para o País. Ele está tão certo, tão certo, que qualquer contestação é vista como uma afronta.

Daí esse enorme problema com a comunicação social e com o controlo da informação, que culmina agora no desastre da TVI. Para sermos justos, Sócrates tem razão em muita coisa: a comunicação social é demasiadas vezes demasiado incompetente e os timings do caso Freeport estão a ser manipulados (depois de meses sem notícias relevantes, eis que novos factos sobre o processo surgem milagrosamente em véspera de eleições). Mas os factos existem e só Sócrates finge não os ver. O desejo de silenciar existe e só Sócrates finge não o saber. É que ele acha que ser o melhor fornecedor de pão chega. Não chega. Felizmente, há ainda muita gente que não se dispõe a trocar um grama de liberdade por um par de carcaças


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