Em vias de extinção

João César das Neves

DN, 20091026

Há poucos dias, um diário de referência anunciava gravemente: "Casamentos católicos caem 62% em apenas uma década" (DN/8 Out.). O texto comentava dados do recente Anuário Católico de Portugal publicado pela Conferência Episcopal. O artigo enganou--se nas contas, porque a queda, sem dúvida acentuada, foi bastante inferior: 46,7% no País e 58,6% no Patriarcado de Lisboa. Além disso parece não se dar conta de que compara realidades incongruentes.

A forte mudança na estrutura demográfica nestes dez anos recomenda muitas cautelas na interpretação de tais taxas. Uma olhadela às tendências de fundo basta para reforçar esses cuidados. Segundo o INE, a percentagem de casamentos católicos desce paulatinamente há 50 anos. Mas nos finais da década de 1990 acelerou subitamente, passando de 67% do total em 1998 para menos de 48% em 2007. Quem lida com fenómenos demográficos sabe que movimentos bruscos destes não se devem à evolução normal, mas a choques específicos.

Há vários suspeitos óbvios. Não só o total de casamentos se reduziu fortemente, caindo para metade de 1977 a 2007 e 30% desde 1997, mas nesse período entraram em Portugal mais de 220 mil imigrantes. Como são em geral jovens, casadoiros e vêm de países não católicos, isso justifica grande parte do fenómeno.

Infelizmente o texto não evita a tentação de avançar uma explicação, e caiu na mais simples e enganadora: "A menor religiosidade das pessoas." Isto contraria os resultados da Sociologia da Religião, que apontam precisamente a tendência oposta. As pessoas não estão a diminuir a sua religiosidade, mesmo quando reduzem a adesão a cultos formais. Aliás o próprio artigo se dá conta de algo estranho, ao afirmar: "Curiosamente, noutros marcos importantes da vida religiosa dos crentes, como baptismo, primeira comunhão ou crisma (confirmação do baptismo), a descida não é tão acentuada." Isto só é curioso para quem não entende o que está a acontecer e, mais uma vez, não nota que o número de nascimentos não é comparável. O número de baptizados em Portugal é estável há 25 anos, caindo a percentagem por causa dos imigrantes.

O que é mesmo curioso é ninguém ter relacionado a notícia citada com outro artigo próximo: "Natalidade volta a diminuir nos primeiros nove meses deste ano" (Público, 14/Out.). Essas estatísticas vêm do "teste do pezinho" e o especialista citado prevê que "em 2009 o número de nados-vivos não chegue sequer aos cem mil". Diz--se "assustado" com isto, mas deve ser o único. Entre os responsáveis ninguém parece perturbado com a dinâmica, que é, sem dúvida, das mais determinantes para o nosso futuro.

Portugal, que desde 2007 tem mais mortes que nascimentos, regista hoje uma taxa de fertilidade bastante inferior à baixa média europeia, em clara decadência demográfica. Se mais uma vez descontarmos os filhos de imigrantes, vemos que estamos num dos níveis de natalidade mais baixos do mundo. Os portugueses são actualmente uma raça em vias de extinção.

Perante isto, a atitude das autoridades roça a incompetência criminosa. O Governo, que no Programa de 2005 nem sequer citava a evolução demográfica, seguiu nestes quatro anos uma linha política bem clara, de agravamento da situação. Financiando abortos, facilitando divórcios e fomentando o casamento de homossexuais, pode dizer-se que a política é um importante factor na promoção da desgraça. Ela é o suspeito que falta.

Que se podia ter feito para enfrentar a questão? Em tema tão básico e pessoal, como envolver os ministros? Todos os nossos parceiros europeus, embora em situações bastante menos graves, há décadas que ensaiam estratégias. Há já larga experiência e vasto conjunto de resultados, sucessos e fiascos, onde se pode aprender. Claro que esses países, coitados, não puderam gozar da maravilhosa "modernidade" que o eng. Sócrates nos preparou.

O futuro, sofrendo as terríveis consequências, abominará a cegueira e irresponsabilidade dos que abandonam a realidade para se embalar em ideologias antifamília. Sem famílias sólidas, tudo se extingue.

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