Quem perdeu a década

João César das Neves

DN 20091109

Os especialistas já falam em década perdida na economia portuguesa. De facto, incluindo a previsão para este ano, a taxa de crescimento média anual nos dez anos desde 1999 é a mais baixa da economia moderna em Portugal (0.4%). Temos de recuar aos terríveis anos 20 para encontrar pior.

Há suspeitos evidentes. O euro, nascido precisamente em 1999, parece o réu ideal. Impedindo desvalorizações, habituais nas décadas de crescimento, não se exime de responsabilidades. Apesar disso, a entrada na moeda única foi correcta, inadiável e vantajosa. Os inconvenientes verificados só aconteceriam se o resto da política económica não a levasse em conta. Como não levou. As culpas de um desastre não estão no carro se o motorista não tem carta de condução.

Invocar a crise internacional, como hoje tantos fazem, também não colhe. Uma década não se perde em alguns meses. Se a crise explica de menos, a globalização explica de mais. A abertura financeira e comercial mundial e a consequente reestruturação produtiva são a grande força dinâmica da actualidade. O mundo nesta década cresceu à média de 3.5%, mais que nos anos 1980 e 90. Dividindo essa dinâmica planetária entre ricos e pobres surge uma pista curiosa para o nosso enigma. As regiões em desenvolvimento tiveram na média dos últimos dez anos o melhor crescimento do último meio século (5.9%), enquanto os países avançados viram a pior prestação (1.7%). Também os 12 fundadores da Zona Euro registam na década até 2009 o menor crescimento dos últimos 50 anos (1.4%). Assim, a nossa década perdida é paralela à dos países desenvolvidos, embora lá a taxa seja quádrupla da nossa.

Esta breve inspecção trouxe bastantes elementos para reflexão. As recentes condições internacionais, excelentes para os pobres, não favoreceram os abastados, grupo a que, sem darmos por isso, já pertencemos. É irónico constatar que o mal está em sermos demasiado prósperos. Portugal cresceu menos que os pobres porque é rico, e menos que os ricos porque é novo-rico.

A nossa falta de dinamismo sócio- -económico vem na cultura de parasitismo, direitos adquiridos, requintes, imposições e exigências, tudo pago pela tributação dos que produzem. Como novos-ricos, ganhámos hábitos refinados sem saber lidar com eles. Não se pensa em produzir como rico, mas em consumir como rico. Imitamos os europeus no centro comercial, não no emprego. Temos defesa do consumidor, ambiente, cultura, emprego, sexo. Só não há defesa do trabalho, empresa, produtor, desenvolvimento. Impomos muitas reivindicações, poucas realizações.

O que mais choca na vida nacional é o alheamento político desta realidade, a irresponsabilidade de discursos e programas governamentais. Quem, perante a estagnação, fala de TGV e plano tecnológico, multiplica portarias, empola serviços, satisfaz interesses instalados, tudo à custa do orçamento, revela total incapacidade de vislumbrar o real problema do País. A nossa política centra-se em projectos fúteis e questões laterais e vistosas, como avaliação de professores e distribuição de portáteis, sem lidar ao essencial, o ensino. O Governo não cria condições para a recuperação; cria obstáculos por distracção.

Alterar a situação implicaria enfrentar os grupos de pressão, fazer a tão falada consolidação orçamental, cortar despesas públicas, aliviar as receitas. Significava pôr os serviços públicos a servir as populações, não a seguir procedimentos. Exigiria reduzir os bloqueios à flexibilidade das empresas e criar um quadro regulamentar leve e eficaz, desmantelando miríades de exigências que, servindo múltiplos interesses e causas particulares, sufocam o dinamismo produtivo e atrasam a reestruturação. Ou seja, fazer o contrário do que dizem os governantes.

A década não foi perdida porque, apesar de tudo, a reestruturação foi-se fazendo e a economia mudou. Mas se perguntarem aos ministros a razão de Portugal viver uma década estagnada, as respostas caem todas fora do alvo. Há anos que Governos de novos-ricos andam mais perdidos que a década.

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