Carta aberta aos deputados

Público, 20100108 Pedro Vassalo

Se nestas matérias cada deputado não for liberto da obrigação partidária, então o Parlamento contará pouco, ou nada


Escrevo na certeza que se cada um dos 230 eleitos pertence a um partido, e por isso eleito com base num programa político, haverá seguramente questões que não dispensará de pensar por si.

Não serão matérias onde a governabilidade do país, ou do partido, estejam em causa. Aí percebe-se a disciplina, porque o interesse colectivo é superior ao critério pessoal do momento.

Nada disso. Só se propõe que cada um seja livre de actuar segundo um juízo pessoal numa matéria onde nem a sustentação do Governo, nem a credibilidade da oposição estão sob juízo.

E percebe-se a ideia: se nestas matérias cada deputado não for liberto da obrigação partidária, então o Parlamento, e o nome de cada deputado, contará pouco, ou mesmo nada.

Não insisto no ponto, porque acredito que quem leu já percebeu, e quem já percebeu não arrisca ser alguém que vota sem acreditar no que vota.

Trata-se do pedido de referendo ao casamento entre pessoas do mesmo sexo.

A partir daqui, arrisco, só lê quem está de boa fé.

E porquê o referendo, quando esta matéria está plasmada no programa do PS? Por dois motivos, sendo que o primeiro é menos importante que o segundo.

O primeiro é uma prova de bom senso e credibilidade política: o voto não é cego, e é um abuso, político, pensar-se que o eleitor cauciona tudo o que o partido escolhido propuser. Obviamente neste "tudo" não se incluem medidas estruturantes do programa político. E o casamento entre pessoas do mesmo sexo não é uma delas, até porque só agora o propôs, e maiorias nunca lhe faltaram.

Se assim é, falha o argumento da legitimidade para aprovar a lei em causa sem antes consultar o povo. Poderá haver músculo político, mas falha a certeza sobre a vontade do eleitor.

Mas, existindo a convicção parlamentar, nada se perderá com a consulta popular. Só não deseja o referendo quem não tem certezas.

A segunda linha de argumentação é mais séria e pesada. Havendo casamento entre pessoas do mesmo sexo, nada obsta que esses casais adoptem crianças. A explicação é simples: como a Constituição impede a discriminação com base na opção sexual, por mais cláusulas impeditivas que o Código Civil inclua, estas nunca poderão contrariar a Lei principal.

Por aqui o assunto da adopção fica arrumado.

Aliás, a não ser assim, passaria a haver casais de primeira e de segunda, conforme pudessem ou não adoptar e a discriminação, que se pretende extinguir, regressaria.

Existindo esta inevitável consequência jurídica, desejada ou não, quem aprovar a lei está a aprovar, igualmente, a adopção de crianças por casais do mesmo sexo. E isto nunca foi explicado ao povo!

Se mais argumentos não existissem, este, por si só, deveria "obrigar" ao referendo.

Mas há uma segunda e definitiva linha de argumentação. O que se pretende com o casamento de pessoas com o mesmo sexo? Igualdade? Relativamente a quem e para quê?

A suposta igualdade é o próprio PS que a exclui, ao defender que esses casais não podem adoptar crianças. Se o promotor reconhece o facto, não se percebe a insistência.

Mas há espaço para maior atribuição de direitos entre casais do mesmo sexo. Serão direitos na órbita da fiscalidade, no acesso ao património, na gestão da coisa comum.

Mas, para isso, não será necessário decretar o casamento. Bastaria aprofundar a "união de facto" que a actual lei, aliás, já defende.

Não há exercício razoável do poder, quando este escapa ao bom senso e ao equilíbrio de quem se governa.

A não ser assim, espreita um perigo: os solavancos na estabilidade social que alguns agora reivindicam poderão amanhã ser exigidos por outros, mas de sinal contrário.

Basta ler a história.

Mandatário da Plataforma Cidadania e Casamento

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