Ouvir o povo é que não

Jaime Nogueira Pinto, i-online | 12 de Janeiro de 2010 |

Não é surpreendente que a esquerda não tenha permitido a realização do referendo sobre o casamento homossexual

Não surpreende a recusa da esquerda de referendar a lei que permite o casamento de pessoas do mesmo sexo. Sabem que perdem. E a esquerda sempre introduziu mudanças que afectaram a natureza do país e da sociedade sem qualquer espécie de consulta popular.

Foi assim na Primeira República: foi no Governo Provisório que Afonso Costa, ministro da Justiça, ordenou a expulsão das ordens religiosas e legislou as disposições de marginalização e humilhação da Igreja Católica, antes das eleições constituintes de 1911. E, em 1913, chefiando um governo democrático, reduziu o eleitorado de 850 mil para menos de 400 mil eleitores, retirando o voto aos analfabetos e aos militares. As mulheres, consideradas conservadoras, nunca tiveram voto no tempo dos tão progressistas democráticos. Comentava um contemporâneo: "[...] os republicanos passaram a legislar em ditadura, fazendo em ditadura as suas leis mais importantes, e nunca as submetendo a cortes constituintes, ou a qualquer espécie de cortes. A lei do divórcio, as leis da família, a lei da separação da Igreja do Estado - todas foram decretos ditatoriais, todas permanecem hoje, e ainda, decretos ditatoriais." O contemporâneo é Fernando Pessoa.

Depois do 25 de Abril, as decisões mais importantes sobre o país, como a descolonização e as nacionalizações de 1975, foram tomadas pelo MFA e pelos governos provisórios, não eleitos. E nunca sujeitas a ratificação nacional. Foi a lei do facto consumado, sem respeito pelo programa do MFA.

Desta vez é o Parlamento que toma a decisão. A medida constava do programa de dois dos partidos desta "maioria de esquerda" de circunstância. O PCP, com medo de parecer reaccionário e "careta", tem de seguir a banda.

Esta maioria operativa relaciona-se com o oportunismo das agendas políticas: o PS é um partido social-democrata, que nunca poderá - nas questões económico-sociais, finanças, propriedade, leis do trabalho - alinhar com o PCP e o BE. Mas tem de dar uma satisfação à sua "esquerda" e aos pmics (pequenos e médios intelectuais e comentadores de serviço) que fazem nos media a chuva e o bom tempo. Estas questões "de civilização" - que para a esquerda libertária do BE são essenciais e para os comunistas sem alternativa - são para o PS de somenos. Para sossego do povo, junta-se a proibição da adopção, discriminatório indício de que afinal sempre haverá diferenças, e manobra hipócrita para que na primeira oportunidade seja declarada inconstitucional sob proposta dos mesmos grupos que agora se contentam com a lei aprovada.

Vamos lutar pelo referendo. E, se tudo ficar assim, podemos desabafar com o Luís Fernando Veríssimo - "Fazer árvore genealógica daqui para a frente vai ser..." complicado!
(Ele diz outra coisa...).

Professor universitário

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