Uniões de facto e bem comum

Pedro Vaz Patto, Voz da Verdade, 4.Jul.2010

            O Parlamento aprovou, na generalidade, alterações à legislação sobre as uniões de facto que vêm equiparar de forma quase completa a protecção jurídica dessa forma de convivência à protecção jurídica de que goza o casamento. De significativo são, agora mais nitidamente, apenas os efeitos sucessórios que distinguem uma e outra dessas protecções.
            Independentemente das alterações pontuais que decorrem da nova Lei, importa reflectir sobre o princípio que lhe subjaz e que reforça o que já estava subjacente à Lei anterior. Esse princípio é o do respeito pela autonomia individual, a igualdade e a indiferença perante as várias opções de vida.
            Desde logo, há que realçar que a igualdade se verifica apenas no plano dos direitos e da protecção, porque no plano dos deveres (de respeito, fidelidade, co-habitação, cooperação e assistência), só as pessoas casadas a eles continuam adstritas.
            De várias formas, o casamento vem sendo descaracterizado do ponto de vista jurídico e vem perdendo a sua centralidade como instituição social matricial.
            De forma mais radical, a sua redefinição jurídica de modo a abranger uniões de pessoas do mesmo sexo descaracteriza-o como instituição baseada na riqueza e complementaridade da diferença sexual, da qual decorre a abertura à vida e à renovação da sociedade.
            Por outro lado, o divórcio unilateral e sem culpa, que permite a desvinculação por qualquer dos cônjuges contra a vontade do outro e sem sancionamento da violação dos deveres conjugais, torna o casamento o mais frágil e instável dos contratos. Também desta forma o casamento é descaracterizado e não será por acaso que em Portugal, como em Espanha, as alterações legislativas relativas ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e ao divórcio unilateral e sem culpa são quase concomitantes.
            E ao mesmo tempo que o vínculo conjugal se torna em extremo frágil, também se alarga a protecção das uniões de facto, que assentam na própria ausência de vínculos.
            Em suma, é quase igual, para a ordem jurídica, ser casado ou não ser: quem é casado pode desvincular-se a qualquer momento e por qualquer motivo, sem sofrer consequências; quem convive em união de facto e não assume quaisquer vínculos goza da mesma protecção de quem é casado.
            Será esta uma exigência do princípio da igualdade? Ou o regime jurídico mais adequado à sociedade pós-moderna, a do “amor líquido”, de relações precárias e inconstantes, à da mentalidade que, como vem salientando Bento XVI, recusa qualquer vínculo definitivo?
            A questão está em saber se uma qualquer sociedade pode ser verdadeiramente coesa, sobreviver e renovar-se na ausência de vínculos e na base de relações precárias. Não é certamente o horizonte da precariedade o mais propício e salutar para a geração e educação de filhos. As estatísticas comprovam-no: a natalidade é muito menor quando os casais vivem em união de facto. Na época do “inverno demográfico”, quando em Portugal a taxa de natalidade atinge mínimos históricos, seria bom pensar nisso. Seria bom que o Estado e a ordem jurídica veiculassem mensagens radicalmente diferentes daquelas que estão a transmitir através das recentes alterações legislativas. Quem assume vínculos definitivos e desse modo enfrenta o desafio duradouro de geração e educação de novas vidas deveria ter um reconhecimento e uma protecção particulares nos planos jurídico, cultural, social e económico. Não se trata de um princípio ideológico de favorecimento de uma opção de vida em relação a outras. Trata-se de uma exigência objectiva do interesse público e do bem comum.

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