A Justiça e a falta de tempo

Zita Seabra
JN, 2010-08-08
A Justiça portuguesa chegou a um ponto de tal gravidade que coloca em questão o normal funcionamento das instituições. O normal funcionamento das instituições não pode excluir o normal funcionamento da Justiça e limitar-se ao Governo e ao Parlamento. O Estado de Direito só funciona se a Justiça funcionar, se os cidadãos confiarem na Justiça e se a Justiça for célere e independente.
Tudo isto é tão evidente e óbvio que parece uma banalidade escrevê-lo. Mas o que estamos a assistir neste momento, em que o descrédito da Justiça entra pelos olhos dentro, é perigoso e de consequências graves previsíveis.
O caso Freeport, que acabou de encher as páginas dos jornais e os noticiários das televisões, é verdadeiramente paradigmático. Que venham dois senhores procuradores invocar num despacho que não tiveram tempo de fazer perguntas ao primeiro-ministro e ao ministro Pedro Silva Pereira é o exemplo de tudo aquilo que não pode acontecer na Justiça. Os processos de investigação não podem demorar sete anos, nascer, renascer e desaparecer ao sabor da Comunicação Social e de mãos invisíveis que vão tendo acesso aos processos, e chegar ao fim, deixando no ar insinuações sobre pessoas que nem foram ouvidas.
A força e a confiança dos cidadãos na Justiça vêm da sua independência do poder político e de todos os outros poderes. Mas a independência da Justiça em relação ao poder político só existe se for mútua, se também os juízes, procuradores (numa palavra, os magistrados) não se servirem dos seus poderes para fazer política. Em apoio ao Governo ou em oposição ao Governo.
Recentemente, já assistimos a uma tristíssima politização da Justiça, chegando-se ao ponto de se divulgar, usar, anunciar conversas privadas de pessoas, políticos, entre eles, o primeiro-ministro. Confesso, e já aqui o escrevi, que a divulgação de escutas de conversas privadas ao telefone são na minha opinião intoleráveis num Estado democrático. As pessoas, todas, incluindo o primeiro-ministro, têm o direito constitucional ao seu bom nome. Sendo agora o governo do PS ou no futuro do PSD, é necessário assegurar que os fins não justificam (nunca) os meios em política.
No caso Freeport, sabemos apenas que uma suspeita ficou deliberadamente no ar num processo que devia ser decidido ao fim de sete anos de investigações, de suspeitas, de notícias a encher manchetes. Poder-se-á chamar a isto justiça? Imaginemos que alguém que vai fazer um doutoramento chega ao júri e, ao fim de oito anos de investigação, escreve a tese e deixa no fim duas páginas de perguntas que, por acaso, são o essencial. Que acontecia? No caso Freeport é, porém, mais grave que um chumbo no doutoramento porque está em causa o bom-nome de pessoas.
O que assistimos é tão-só a uma intolerável politização da Justiça pela mão do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público e de alguns magistrados que, provavelmente, um dia sonharam ser políticos mas erraram na carreira profissional.
Dizia um amigo meu italiano que, no seu país, quando os juízes começaram a fazer política liquidaram a democracia cristã e se, a Itália não fosse um tão grande e importante país, tinham liquidado a democracia. Uma coisa é evidente: o sistema político italiano ainda não se recompôs. Nós estamos piores porque não somos a Itália e há uma insuportável tentação da Oposição em gostar de ver os governantes nas primeiras páginas de jornais seja a que preço for.
O normal funcionamento das instituições impõe que os partidos responsáveis e garantes da democracia, bem como os outros órgãos de soberania, presidente da República incluído, encontrem saídas que travem este perigoso caminho e assegurem a salvaguarda do Estado democrático português.
É uma responsabilidade cívica de quem está na Oposição, como é o meu caso - e desejando que o país encontre uma alternativa de governo para sair da grave situação que hoje vive -, considerar inaceitável o que se passou com o primeiro-ministro, quando uns senhores escrevem, em nome da Justiça, um despacho que encerra um processo que afinal o deixa aberto, deixando no ar suspeitas e dúvidas a partir de um trabalho que não fizeram… por falta de tempo.

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