Merkel diz que o multiculturalismo "falhou redondamente" na Alemanha

 Público, 2010-10-18 Dulce Furtado
A chanceler quer que os 15 milhões de imigrantes aceitem os valores cristãos germânicos e aprendam a falar a língua, se não quiserem deixar de ter lugar no país
 A chanceler alemã, Angela Merkel, lançou nova acha para a fogueira do já incendiado debate em curso no país sobre a imigração - e em particular do islamismo -, afirmando que a tentativa de criar uma sociedade multicultural na Alemanha "falhou redondamente". E exigiu aos imigrantes que aceitem e se integrem de acordo com os valores germânicos, sob pena de perderem o seu lugar no país.
Num discurso feito perante a juventude dos cristãos-democratas (CDU, de centro-direita), Merkel enterrou o modelo multikulti alemão, argumentando que "a vivência harmoniosa lado a lado" com pessoas oriundas de contextos culturais diferentes "não está a funcionar".
Os imigrantes, disse, têm que "fazer mais" pela sua própria integração: "Nós sentimo-nos ligados aos valores cristãos. E aqueles que não são capazes de aceitar isto também não têm lugar aqui." A chanceler conservadora - para quem pouco foi "pedido" aos imigrantes no passado - reiterou ainda a ideia que tem vindo a defender de que os cidadãos oriundos de outros países devem forçosamente aprender a língua alemã, de maneira a terem mais elevado sucesso escolar e melhores oportunidades no mercado de trabalho.
A Alemanha conta com 15 milhões de imigrantes (18,4 por cento dos 82 milhões da população), dos quais quatro milhões são muçulmanos - incluindo imigrantes de primeira e segunda geração - e estes na larga maioria oriundos da Turquia (63,2 por cento). Mais de 40 por cento dos imigrantes muçulmanos possuem cidadania alemã.
Os argumentos de Merkel parecem estar apenas em parte apoiados pelas estatísticas produzidas pelo próprio Gabinete Federal de Imigração: 15,2 por cento dos imigrantes cumpriram os requisitos para ingressar nas universidades; apenas 9,6 por cento não terminaram o liceu e 14,1 por cento estão desempregados. As percentagens nestes três critérios para os nascidos na Alemanha são de 15 por cento, 1,5 por cento e 7,5 por cento, respectivamente.

Radicalização do discurso

O discurso anti-imigração na Alemanha tem estado recheado de hipérboles desde o início do ano e atingiu o pico de erupção no Verão, com o lançamento em Junho do livro Deutschland Schafft Sich Ab (que se pode traduzir por "A Alemanha Liquida-se a Si Própria"), escrito por um dos administradores do Bundesbank e ex-deputado do Partido Social Democrata (SPD, centro-esquerda) Thilo Sarrazin. Nele é feita a apologia de que a sociedade alemã "quebrou" devido à "ameaça" da imigração e que os muçulmanos "baixaram a inteligência" do país.
Sarrazin foi criticado pelas mais diversas facções políticas - incluindo a da chanceler - e afastado das suas funções no banco central, mas as já mais de 650 mil cópias vendidas do seu livro espelham como as suas opiniões estão a ser ouvidas e partilhadas.
A tendência crescente de xenofobia e anti-islamismo na Alemanha foi expressa, de resto, num detalhado estudo publicado quarta-feira pela Fundação Friedrich Ebert (com ligações ao SPD), que mostra um terço dos alemães a defender a repatriação dos imigrantes. O mesmo estudo revela que mais de metade dos alemães - 58,4 por cento - é favorável a restrições à prática do islão, e 55,4 por cento disse "compreender que os árabes sejam vistos por algumas pessoas como sendo desagradáveis".
Ao longo desta discussão, Merkel - sob pressão da linha mais dura dentro da CDU - tem tentado não hostilizar nenhum dos lados do debate. E o argumento a favor da mais profunda integração dos imigrantes na forma de vida alemã tem vindo a ser temperado com declarações em que, por exemplo, insta os alemães a aceitarem que as mesquitas se tornaram parte da sua paisagem social e cultural.

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