13 anos depois

Zita Seabra, DN 2011-03-06
Já todos sabíamos que era assim. Há anos que se diz, se escreve e se demonstra que não há justiça em Portugal. No entanto, a Justiça é não só indispensável à existência do Estado democrático como é, com a Defesa, um sector que o mais liberal dos teóricos considera da exclusiva competência do Estado. A Justiça portuguesa é o retrato da incapacidade da Administração Pública de gerir bem e servir bem não só quem dela precisa mas o conjunto dos cidadãos.
A acrescentar ao facto de nenhum processo importante ter fim, nada acabar e tudo se arrastar anos pelos tribunais e de as pessoas, mesmo as inocentes, serem julgadas na Comunicação Social, de nada se resolver, ainda vemos nas televisões constantemente notícias de gente a passar pelo ecrã de cara tapada com casacos ou pastas para os tribunais, os mesmos durante anos, e ficamos com a sensação de que já tratamos por tu os réus, os acusados, as vítimas, para já não falar dos advogados.
Os casos recentes que vieram a público não podem deixar de nos escandalizar. Sem novos factos, sem nada a acrescentar, que se saiba, 13 anos depois, vem o Ministério Público acusar finalmente uma pessoa de quem sempre se desconfiou pelo desaparecimento de uma criança, o Rui Pedro.
13 anos depois, o Ministério Público age. Durante anos a Comunicação Social deu notícia de uma mãe desesperada em busca do seu filho, ou em busca da verdade do que lhe aconteceu. Durante anos, soubemos de um avô que morreu de tristeza e desgosto por não ter encontrado o neto. Agora, 13 anos depois, o Ministério Público vem acusar um homem que, desde há 13 anos, era suspeito. Mesmo quem evita ler estas notícias de crimes expostos nas páginas dos jornais e na Comunicação Social, mesmo esses, sabiam que era suspeito.
Confesso que as notícias de crimes e a exploração em muita Comunicação Social do sofrimento das pessoas para "vender" notícias, me leva a não ver os insuportáveis noticiários portugueses transformados no defunto jornal "O Crime". A exploração até à exaustão do sofrimento de pessoas, a exibição despudorada da dor, da mágoa, da tristeza, para "vender" audiências e a repetição sistemática das imagens de criminosos até os ficarmos a tratar por tu, é das maiores barbaridades do nosso tempo, e ultrapassa a decência e a normal comunicação do que se passa pelo país e pelo Mundo.
Nos jornais, há muito que era assim e é evidente que essa "literatura" não é nova, não é nossa contemporânea e grandes escritores ganharam a vida com ela. Camilo Castelo Branco, por exemplo, foi um perito em literatura de "cordel" e lembro, a título de mero exemplo, o seu escrito "Maria! Não me mates que sou tua mãe".
Esta folha, cheia de maldade e de pormenores, foi um best-seller vendido pelo Chiado, na maioria dos casos em cordéis presos com molas, e foi um sucesso que deu nome a Camilo. O primeiro, creio. É sabido que a Maria matou mesmo e de forma absolutamente indecorosa a mãe, a cortou aos bocados e que este livro/folha é um exemplo de que sempre houve, como continua a haver, público para comprar literatura sobre a desgraça alheia. E Camilo é um aprendiz ao pé das descrições das grandes desgraças nas tragédias clássicas gregas. Não confundamos, pois, as questões ou os planos.
O lamentável não está nas notícias sem fim de crimes e terror que lê quem quer e gosta, nem na transformação dos noticiários televisivos portugueses, mesmo do canal público, numa constante exibição de terrores e horrores para captar audiências e que não tem semelhança nos canais públicos de outros países ocidentais.
A exploração dos dez anos do horror da queda da ponte de Entre-os-Rios durante dois dias tornou-se verdadeiramente na exploração mais básica dos sentimentos humanos e que nada tem a ver com recordar ou com lembrar. Felizmente, temos opções de múltiplos canais estrangeiros que nos poupam a esses espectáculos e nos trazem outros crimes terríveis, como o bombardeamento de população na Líbia.
O horror não está nas notícias, nem nos mensageiros, mas numa justiça que deixa passar 13 anos até produzir uma acusação quando, que se saiba, não aconteceu nada de novo, não há novos factos ou súbitas descobertas que levem, como por vezes acontece, à verdade.
A mãe do menino desaparecido e a memória do seu avô merecem um pedido de desculpa de todos nós pelo estado a que deixámos chegar a Justiça portuguesa.

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