Notas de campanha (2)

Público, 2011-05-28 José Pacheco Pereira
Estou convencido que o PSD vai ganhar e não me surpreenderia que o fizesse por margem maior do que mostram as sondagens

Alguém me pode explicar por que razão o documento central para a governação, que é o Memorando da troika, está tão ausente da campanha eleitoral? Só isto mostra o irrealismo em que decorre a campanha.
lguém me pode explicar por que razão se pensa na direcção do PSD que é atacando o CDS que se ganham os votos para o objectivo proclamado da maioria absoluta? Na verdade, uma lógica de bipolarização à direita só existiria se a performance do PSD contra o PS parecesse eficaz na conquista do eleitorado central. Então, sim, arrastaria os indecisos entre PSD e CDS, levando-os a tomar opção pelo PSD. A aparente ineficácia do PSD em impedir um PS com resultados acima dos 30% favorece o voto "solto" a favor do CDS, que parece ser tão "útil" como o do PSD para obter uma maioria sobre o PS.
Alguém me pode explicar por que razão a corrupção não é um problema a levar à campanha e que parece não interessar nenhum dos grandes partidos? Na verdade, vindos de anos e anos de "casos" de corrupção que envolvem políticos, a começar pelo BCP e a acabar nas sucatas do senhor Godinho, numa altura em que existe a convicção popular generalizada de que existe muita corrupção no sistema político e análises técnicas, académicas e policiais apontam no mesmo sentido, a indiferença que PS e PSD mostram perante o tema é inadmissível. Para não ir mais longe.
Alguém me pode explicar por que razão nem uma palavra se diz sobre as grandes áreas de Estado, negócios estrangeiros, Europa e defesa? Isto, no preciso momento em que, nunca como agora, está em causa a soberania e a independência, a nossa pertença a uma Europa cada vez mais distante e hostil, e uma clara deslegitimação das nossas Forças Armadas? Será que PS e PSD acham que nem vale a pena sequer discutir estes temas, porque a independência já se foi, a Europa está a acabar, e não há dinheiro para ter Forças Armadas?
Alguém me pode explicar por que razão a justiça e a segurança estão ainda mais ausentes nesta campanha do que nas anteriores? Na verdade, o CDS ainda costumava falar de segurança, mas desta vez nem isso. Quanto à justiça, será que se pensa que apenas a "justiça económica" tem que ser reformulada porque a troika o exige e nenhum outro problema é sequer enunciado?
Alguém me pode explicar como é que se chegou no PSD ao número mágico de dez para os ministérios e vinte e cinco para as secretarias, e qual o organigrama proposto? E depois como é que se faz a negociação com o CDS, que já disse que não concordava com estes números redondos, que lhe parecem apenas propaganda eleitoral?
Alguém me pode explicar por que razão o PS vai a estas eleições sem programa e isso não incomoda ninguém?
Alguém me pode explicar como é que se "emagrece" o Estado (estamos na época das metáforas orgânicas) sem despedimentos na função pública? Alguém me explica como é que se extinguem centenas de organismos, institutos, empresas públicas nacionais e municipais sem se saber para onde é que vão as dezenas de milhares de pessoas que nelas trabalham? Ou será que se pensa que só há cargos de direcção e administração nesses organismos e não há contínuos, secretárias, pessoal auxiliar, técnicos, motoristas, pessoal de manutenção, etc.? Vai-se alimentar o desemprego ou o subemprego?
Alguém me pode explicar por que razão, apesar de toda a gente entre eleições criticar os modelos de campanha antiquados, baseados nos mercados, feiras e aquilo que agora se chama "arruadas", quando se chega às eleições se faz exactamente o mesmo de sempre?
Alguém me pode explicar por que razão subsiste na zona nobre de três cidades portuguesas uns acampamentos sórdidos, com meia dúzia de pessoas violando a lei sobre a utilização dos espaços públicos, num país em que há toda a liberdade de manifestação e em que não se impede ninguém de protestar segundo regras amplamente permissivas? Que argumentos podem depois dar-se quando qualquer outro grupo, com menos simpatias na comunicação social do que os "acampados", queira fazer o mesmo, ocupando o espaço público? Faço por isso uma sugestão ao povo roma, aos ciganos, que podem nestes dias acampar em melhores condições no Rossio ou no Camões do que nuns terrenos baldios sem quaisquer condições higiénicas, para que são empurrados pela hostilidade de populações e autarquias. Têm é que arranjar um pretexto político, o que não é difícil: basta colocar um cartaz a dizer "a rua é nossa".
Alguém me pode explicar como vai ser a vida depois de 5 de Junho? A minha convicção, que sempre foi a mesma durante toda a campanha, é que o PSD vai ganhar as eleições e não me surpreenderia que o fizesse por uma margem maior do que a que revelam as sondagens. Assenta essa convicção no fenómeno de rejeição de José Sócrates, mais do que em qualquer outra consideração de mérito. Por isso, o único efeito útil de todo este processo de eleições antecipadas pode, sublinho pode, vir a ser o afastamento de um homem, político, e governante que, do meu ponto de vista, é já de há muito tempo perigoso para a nação e para a democracia. Não é resultado despiciendo, mas está longe, muito longe, de resolver o problema da crise política que se sobrepõe e amplia a crise económico-financeira.
Alguém me pode explicar como vai ser a vida depois de 5 de Junho se os resultados eleitorais mantiverem o PS na casa dos 30%, mostrando que não se deu em Portugal a gigantesca punição que na Irlanda e na Espanha tiveram os partidos de Governo? Isso seria um péssimo sinal para a estabilidade pós-eleitoral. Um PS que consiga resistir razoavelmente à derrocada dos partidos de Governo quererá regressar rapidamente ao poder e não dará descanso a quem lá estiver. E se Sócrates continuar a mandar, na luz ou na sombra, porque não sabe fazer outra coisa, ainda mais instável será a situação, porque ele quererá ajustar as contas.
E, por fim, alguém me pode explicar como vai ser aplicado o Memorando com os partidos como são e como estão, com o quadro de forças que provavelmente sairá destas eleições, com o pessoal político que vai querer ir para o Governo, com o agravamento drástico da pobreza e da instabilidade social e a enorme, vasta, poderosa máquina de inércia que é o sistema político português? É tudo tão difícil, tão difícil, que roça o inexequível.
A Grécia não está assim tão longe.
Historiador e deputado do PSD

Comentários

J.Soares disse…
Eu socialista, confesso que votarei no Coelho só para o "CASTIGAR"

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