A gravata

Público, 2011-08-05 Luís Campos e Cunha
A determinação de poupança deste Governo é de louvar, mesmo nos pequenos pormenores, ou melhor, também neles

A gravata ganhou foros de cidadania com o fim do seu uso no Ministério da Agricultura. A decisão gerou um furor de artigos, nem todos muito correctos, diga-se. Desde já faço notar que a determinação de poupança deste Governo é de louvar, mesmo nos pequenos pormenores, ou melhor, também nos pequenos pormenores. Portanto não é uma crítica (se alguma coisa, seria louvor) à decisão da ministra, mas é que eu, contrariamente à moda actual, gosto de gravatas. Uso-as quando me apetece ou quando devo, e para crónica em período de estio nada como um tema irrelevante e frívolo como a gravata.
Gravata é um termo que deriva de "croata", porque o exército croata usava algo à volta do pescoço, por cima do colarinho da camisa, que deu origem, uns séculos mais tarde, à actual gravata. A razão de ser de tal apêndice tinha a ver com a falta de higiene de alguns croatas, pelo que a gravata de então tinha como fim tapar a sujidade dos colarinhos. Se ainda hoje for verdade, teremos uma dupla vantagem em não se usar gravata: não só os homens andam mais frescos, como são forçados a andar mais limpos. Só vantagens, até agora.
No entanto, eu gosto de usar gravata. Um artigo neste jornal explicava que condenar a gravata implicava uma sensação de castração nos homens. Embora nunca me tenha lembrado de tal, tudo bem, aceito e confesso: gosto de usar gravata também para prevenir a tal sensação de castração. Os homens compreendem-me.
Além disso, uso gravata, não para esconder alguma sujidade de colarinho, mas apenas porque a gravata é o único adorno que os homens têm direito a usar. Os mais novos ainda podem pintar o cabelo de roxo e pôr brincos, mas eu nasci cedo de mais para tais enfeites e sempre fui um péssimo jogador de futebol quando tinha idade para isso. As mulheres estão em vantagem, porque têm uma roupa sempre mais colorida e mais adequada à estação do ano. A mim restam-me as gravatas. E deixar escapar essa única oportunidade de me enfeitar seria uma pena.
Por outro lado, as gravatas dizem muito de nós próprios, mesmo quando brilham pela ausência. O Bloco de Esquerda assumiu como (única?) marca ideológica comum a todos os seu membros o uso da não-gravata, o que psicologicamente é igual a usá-la obrigatoriamente. Mais, uma gravata azul às bolinhas é sempre de um conservador -independentemente de ser comunista, socialista ou mais à direita - ou de um sujeito com mais de 70 anos. Eu, por tudo isto, não uso -nem gosto de - gravatas azuis às bolinhas pequeninas.
Ter imaginação (e lata) para usar gravatas diferentes, únicas e muitas vezes chocantes para gente conservadora é ter também uma afirmação da diferença. Mas, para não cair no ridículo, temos de ter cuidado e sentido estético: gabo-me disso. E gosto de o mostrar.
A gravata revela, de facto, muita coisa. As não-gravatas do Bloco não são tanto uma posição ideológica, são um sinal de conformismo de cada membro face à liderança. Conheci vários, antes da militância, devidamente engravatados. Mais, todos se lembrarão que José Sócrates só usava gravatas lisas e os seus ministros dividiam-se entre os que passaram a adoptar essa moda e os (muito poucos) que a não seguiram. Naturalmente, os primeiros eram os mais próximos do primeiro-ministro. Tal como no Bloco, não que Sócrates os escolhesse pela lisura do padrão da gravata, mas porque a gravata lisa reflectia o nível de aquiescência com o chefe. Observar as fotos de então é um exercício preguiçoso de Agosto que vale a pena, parece que foi há muitos anos, mas foi apenas há dois meses.
O homem diferencia-se dos outros animais (também) pelo chamado gesto inútil e a gravata cai nessa categoria. Viveríamos bem sem elas, mas perdíamos um elemento visível da nossa individualidade. Caso contrário, os homens andariam todos de fato cinzento ou azul escuro: que banalidade. Tanto mais que nem sempre foi assim, basta olhar com cuidado os Painéis de Nuno Gonçalves para ver a diversidade gigantesca de maneiras de vestir nos homens do século XV. Hoje, uma pintura equivalente, estaria cheia de gravatas azuis às bolinha com fatos cinzentos, e seriam todos mais ou menos iguais. Apenas as mulheres teriam o monopólio da diversidade. Como vêem, as gravatas são mais importantes do que se poderia pensar e eu, que nunca tinha imaginado escrever sobre tal assunto, estou feliz.  
Professor universitário

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