Guerra e Paz Social

Pedro Afonso

Recentemente o governo mostrou preocupação com a possibilidade de surgirem protestos violentos nas ruas como reacção às medidas de austeridade. O receio era justificado com o caso da Grécia, onde têm surgido vários confrontos violentos com a polícia. Várias vozes se ergueram a acusar o governo de alarmismo, intolerância e falta de sentido democrático para com as diversas manifestações agendadas. Mas quais são os limites de tolerância da população às medidas de austeridade? E em que circunstâncias poderão surgir, também entre nós, protestos violentos?
Desde há muitos anos foi criado na nossa sociedade um ambiente político excessivamente paternalista que conduziu a  alguma desresponsabilização individual. E as coisas vão de mal a pior quando a sociedade resvala para um extremismo perigoso, criando uma culpa imaginária: se existem fracassos individuais,  a responsabilidade não é do indivíduo, mas exclusivamente colectiva. A sociedade infantilizou as pessoas, criando e distribuindo subsídios atrás de subsídios, pondo em prática a frase de Thomas Hobbes: “ Todos têm direito a tudo”. Portanto, vai demorar muito tempo até se alcançar (ajustado à realidade) um novo equilíbrio entre direitos e deveres; entre responsabilidade individual e colectiva. Embora este aspecto gere contestação social não será apenas por este motivo que poderá surgir violência nas ruas.
Um dos caminhos mais rápidos para torturar e enlouquecer um ser humano é obrigá-lo a fazer um trabalho inútil e inconsequente. Esta foi uma técnica usada nalguns campos de detenção, forçando, por exemplo, os prisioneiros a carregarem um monte de pedras de um sítio para o outro para de seguida voltarem a colocá-las no mesmo lugar de origem. Dito de outro modo, não é o esforço e o sofrimento que revolta o ser humano, mas antes a percepção da sua inutilidade. É precisamente por se acreditar que existe algum utilidade no sofrimento e no sacrifício que alguns estão dispostos a submeterem-se a actos heroicos: uma mãe passa terríveis provações para que nada falte ao seu filho; um activista político admite ser preso por um ideal; um crente está disposto a oferecer a sua vida para cumprir a vontade de Deus. Ora, ninguém está disposto a passar por dificuldades e sacrifícios se não vislumbrar um objectivo; se não sentir que existe um bem (pessoal ou colectivo) que será alcançado desta forma.
Não estou totalmente certo  - nem creio que o próprio governo possa garantir -  de que os sacrifícios que estão a ser feitos neste momento, por milhões de portugueses, valham mesmo a pena e tenham um resultado duradouro. Se é verdade que esta dúvida pode ser um factor de instabilidade social, também é verdade que há outro aspecto que, nas circunstâncias actuais, pode ser incendiário: a injustiça. Caso a sociedade perceba que os sacrifícios que estão a ser pedidos são selectivos e que há grupos mais sacrificados do que outros, a revolta poderá instalar-se e tornar-se imparável. Esta é a linha ténue que separa a união e a insurreição.
O governo, para além da competência técnica e da aplicação de boas políticas, terá de explicar que os sacrifícios que estão a ser pedidos aos portugueses têm um propósito e irão conduzir o país a um futuro melhor. Além disso,  os nossos governantes terão de ter um rigoroso sentido de justiça social, pois quando se junta o sofrimento inútil com a injustiça, a paz dá lugar à guerra e os regimes políticos entram em colapso.

Pedro Afonso
Médico Psiquiatra

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