Conversa fiada

Público 2012-02-12  Vasco Pulido Valente

Os portugueses "reúnem" com um zelo e uma frequência quase patológica. Mas parece que não se acostumaram ainda ao ritual de uma reunião: dizer mal do chefe, preparar meia dúzia de intrigas, combinar o que se vai dizer e como se vai votar, fingir que se "está por dentro" e já se decidiu o que há formal e expressamente a decidir. Isto enquanto se espera. A conversa entre Vítor Gaspar e Wolfgang Schäuble foi típica da ocasião e do ambiente e não acrescenta nada (excepto talvez na cabeça de Seguro) ao que toda a gente sabia sobre a necessidade e a hipótese de um ajustamento do programa da troika para Portugal. O que não impediu horas de conversa na televisão e dezenas de artigos nos jornais, que não conseguiram esclarecer coisa nenhuma e só serviram para acariciar o ego dos peritos.

E também - é bom não esquecer - para o obrigatório acesso de dignidade nacional. Vítor Gaspar teria sido "servil", Wolfgang Schäuble "paternalista" e "arrogante", atitudes completamente estranhas num país como o nosso, onde a independência e o respeito pelo próximo são uma característica nacional, bem conhecida e apreciada no mundo inteiro. Houve mesmo quem acusasse Vítor Gaspar de se inclinar (ou ajoelhar) perante Schäuble, como se Schäuble não andasse numa cadeira de rodas; e de o ouvir durante dois minutos com paciência e boa educação. O indígena não desculpa estas vergonhosas fraquezas. Ele que nunca esquece a grandeza de Portugal e a história exemplar que nos trouxe a este beco sem saída. E que também não compreendeu o principal.

Ou seja, que as supostas "declarações" de Schäuble e as respostas cerimoniosas de Gaspar não comprometem nem um nem outro, se amanhã resolverem mudar radicalmente de posição, por conveniência ou por necessidade. Um intervalo de simpatia inócua não muda, ou pode mudar, a essência da questão. No Conselho de Ministros de Berlim ou no de Lisboa, ninguém o levará a sério. De resto, Pedro Passos Coelho e o próprio Gaspar não se afastaram um milímetro da política que o Governo até agora definiu e repete a cada oportunidade: Portugal não precisa de mais tempo ou de mais dinheiro e, tirando uma catástrofe europeia (que não está na sua mão evitar), não os pedirá. O primeiro-ministro não é suficientemente ingénuo para acreditar que uma salvação gratuita ou a simples promessa de um pequeno adiamento não acabassem num segundo com a disciplina e as reformas, que em princípio nos tirarão de apuros. Com o seu arzinho de seminarista, é de resto o que Seguro quer.

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