A noite das facas longas

Por João Távora, publicado no i-online em 2 Abr 2012 - 03:00 | Actualizado há 9 horas 23 minutos
Infelizmente o CDS, refém da actual direcção, é pequenino e nele impera uma perspectiva paroquial da política
Quem ontem tivesse ouvido os generalizados aplausos iniciais dos participantes no Conselho Nacional do CDS, em Leiria, à apresentação pelo Gonçalo Moita da carta de 29 de Fevereiro de 2012 dirigida ao seu presidente, assinada por onze conselheiros (entre os quais eu próprio), a respeito da necessidade de clarificação do posicionamento do grupo parlamentar do partido quanto a matérias bandeira da extrema esquerda, ditas “fracturantes”, não poderia adivinhar a violência das intervenções que se lhe seguiram e consequente retumbante derrota da proposta deliberativa apresentada por aqueles signatários da carta – sobre o projecto de acção política de carácter geral, visando a urgente clarificação da estratégia do partido quanto ao assunto.
Tratou-se, contudo, de uma derrota acéfala que assinalou uma viragem do CDS como o conhecemos até hoje e cujas consequências são imprevisíveis.
Tudo isto para dizer que nos trabalhos da madrugada de sábado do Conselho Nacional do CDS, sob a complacência do presidente do partido e do presidente da mesa, foram genericamente baixos os golpes desferidos e as injúrias feitas aos signatários daquela carta e proponentes daquele projecto, a fazer lembrar o argumentário da esquerda mais radical de triste memória na campanha do referendo ao aborto. Afinal, fomos reduzidos a epítetos de “nazis” e “polícias de costumes”, de “divisionistas” e “oportunistas” pelos mais improváveis protagonistas por nós apoiados e eleitos em representação parlamentar.
Notório foi também o esforço maquiavélico da nomenklatura partidária em apagar da História toda a nossa militância e trabalho partidário, sem esquecer a moção “Alternativa e Responsabilidade” que com muita honra (e muito trabalho) apresentámos ao último Congresso do CDS em Viseu, uma minuciosa proposta programática multissectorial de 50 páginas, burilada durante meses, fora de horas, por voluntariosos militantes, com propostas para a Energia, Educação, Reforma Administrativa e do Sistema Político, para além dos prementes temas do Relançamento da Economia e Combate ao Défice, cuja apresentação foi instrumentalmente protelada pela Mesa do Congresso para altas horas da madrugada e na ausência da maioria dos congressistas.
Afinal, hoje, no CDS só cabe a “pluralidade” que o líder determina rigorosamente sozinho, tendo ontem ficado claro, pelas várias admoestações e ameaças feitas, que o caminho é “a evolução”… para o relativismo axiológico.
Afinal, no grupo de militantes do partido que como eu integra o movimento Alternativa e Responsabilidade, ninguém vive de prebendas partidárias, nomeações ou avenças do Estado nem de cargos autárquicos, e assumimos total independência. Noutra perspectiva, quero acreditar que somos a massa que prolonga um partido para lá da sua macrocefalia e do seu núcleo de apaniguados: corremos pelas nossas convicções e temos genuíno gosto pelo serviço, e creio, sinceramente, que protagonizamos uma saudável prova de vida de que o partido se deveria vangloriar. Infelizmente o CDS, refém da actual direcção, é pequenino e nele impera uma perspectiva paroquial da política.
Deplorável foi também no mesmo Conselho Nacional a vil humilhação infligida pelo presidente e vários deputados do partido, e mais alguns desconhecidos, ao antigo dirigente Ribeiro e Castro, ironicamente por causa da sua posição à revelia da disciplina de voto no dossier da reforma do código de trabalho. A sua cabeça foi reclamada com despudorada insistência.
Na ressaca de uma dura noite, gostaria de lembrar a muitos dos actuais deputados e governantes centristas de que o deslumbramento é uma arrogante cegueira que os afasta da realidade e, por consequência, do homem da rua, cada vez mais desiludido e descrente na participação cívica. Àqueles que na sexta-feira promoveram um tão lastimoso espectáculo exige-se que defendam o partido que representam, e que não se esqueçam de cumprir as promessas eleitorais sufragadas, libertando a população do assalto fiscal, renegociando as parcerias público--privadas que consomem os nossos recursos e comprometem a nossa soberania.
Ao fim de muitas horas de desconchavos, a nossa proposta de veiculação do partido à sua matriz axiológica foi rejeitada pelos conselheiros. Com esse facto e com este paradigma, terá nascido um novo CDS? Se nasceu, é o tal fenómeno a que Portas insistentemente classificou de evolução. Nós chamamos-lhe adulteração. Querem atirar-nos para as margens, ou simplesmente borda fora? Fica a interrogação.
Finalmente, e porque o contrário foi insinuado, é bom reafirmar que o assunto em discussão é estritamente do foro político, pelo que, obviamente, nada teve ou tem que ver com pessoas ou processos feitos a pessoas.
João Távora

Comentários

Anónimo disse…
Muito bem, João Távora!

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