Demoramos 5 anos a executar uma dívida, mas a culpa é da Merkel

Henrique Raposo (www.expresso.pt)
8:00 Sexta feira, 22 de junho de 2012

Vale a pena repetir pela enésima vez: a reforma económica mais importante é a reforma da justiça e das instituições. O crescimento não depende apenas do economês. Aliás, a agilidade burocrática (sim, eu sei, parece um oxímoro) e o Estado de Direito são as antecâmaras da prosperidade, e, por isso, qualquer reforma estritamente económica vai sempre esbarrar na lentidão exasperante da nossa justiça e na ineficácia corruptora da nossa administração pública. Exemplos? O Negócios de ontem trazia a história de um magnata francês do vinho, Roger Zannier, que queria muito investir no Douro. Mal ele sabia que iria ter pela frente um conjunto de funcionários que revela um desprezo olímpico pelos "privados" da economia real. O relato é surreal: "eu pedi as autorizações para plantar vinhas e dois anos depois ainda não tinha resposta. Pedi então uma reunião com o responsável máximo, que convocou a pessoa que me devia ter respondido. E para minha grande surpresa, a razão que me deram (...) foi a de que não tinham tinteiro para colocar na impressora e imprimir a resposta". Dois meses depois desta conversa inconcebível, Zannier continuava sem resposta. Este Tio Patinhas francês manteve o investimento, porque é um apaixonado pelo Douro, mas a maioria dos empresários desistiria (e bem) de um país onde os funcionários públicos têm o poder para bloquear desta forma patética as iniciativas da sociedade. E aposto que ninguém foi punido ou despedido na entidade que bloqueou este investimento durante anos.
Mais exemplos? Em média, os tribunais portugueses precisam de 1600 dias para executar uma dívida (Negócios, 26 de Outubro de 2010). Na Suíça bastam 60 dias, e 90 dias chegam para os tribunais franceses. Ou seja, o Estado de Direito português não existe na atividade económica. Quando precisa de quase 5 anos para reaver o seu dinheiro, um empresário português percebe que este país é para caloteiros e fica com medo de fazer novos negócios. E o que dizer dos empresários estrangeiros? Bom, quando descobrem este buraco negro legal, os Zanniers-não-apaixonados-pelo-Douro evitam Portugal. E com razão.
Não, os responsáveis pela nossa crise não são os mercados, a troika ou Merkel. A culpa é nossa, porque somos incapazes de gerar um debate institucional em Portugal. Políticos e média têm uma visão pessoalista da vida pública, logo, só debatem tácticas conjunturais de políticos e empresários em concreto; as regras e instituições não interessam. Depois, toda a arquitectura jurídica, das faculdades até aos tribunais, tem nojo da actividade económica. Em Portugal, o mundo jurídico nunca quis pensar a eficácia da economia, e isso é bem visível na insensibilidade económica da maioria dos deputados. Para terminar, o funcionalismo público e os partidos estão cheios de pessoas que viveram sempre na bolha, sem contacto com a vidinha real. Ora, tudo isto contribui para uma cultura política e mediática que, muito simplesmente, não quer saber das bases legais e institucionais da prosperidade. Não, a Senhora Dona Merkel não tem nada que ver com isto. Mas, se calhar, devia ter. Se calhar, precisávamos de uma segunda troika, uma troika para as instituições e para a justiça.

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