Obrigado, Mãe

Público 20120712  Miguel Esteves Cardoso


No Porto as pessoas estão mais próximas delas próprias, do que sofrem e do que sentem e, assim, acabam por aproximar-se mais dos outros. Tanto no sentido de serem mais vizinhos das nossas almas como no sentido de se parecerem mais. Não há grande diferença.

Faz pensar em Lévinas e, por muito frívolo que seja citá-lo ou resumi-lo, por ser tão fácil e bom lê-lo, lembra-nos que o rosto da outra pessoa é, por não haver outro, o rosto de Deus. O que diz, acima de tudo, o rosto do Outro - toda a gente menos cada eu que nós somos - é "não me mates". Ao menos isso.

Aconteceu com uma avó que, no meio de muitas penas contadas, contou, para compensar, uma história ocorrida naquela mesma manhã. O bisneto dela, que em Agosto atingirá os três anos de idade, foi à praia com a neta. Quando começaram a preparar-se para voltar para casa, o neto, enquanto a mãe o calçava, disse: "Mãe: obrigado pela manhã que me deste."

É lindo. Chorou enquanto contava e explicou que já não era a primeira vez, porque os adultos aprendem a agradecer para comover e ganhar com isso, mas as crianças que ainda não foram para nenhum infantário eram lindamente sinceras, inocentes de qualquer manipulação.

Depois a avó chamou a neta, para contar como tinha sido. A mãe, também a chorar (como nós), recontou a frase: "Mamã: obrigado por me teres trazido à praia."

Era menos literário. Mas era, à mesma, excepcional. O miúdo é um poeta mas, na versão da bisavó, é já um clássico.

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