O mal-entendido

JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN, 2012-09-10
Uma das poucas coisas em que há acordo é que Portugal precisa de crescimento. Não só é a única forma de vencer a recessão e desemprego, mas a sua falta é a causa da desconfiança financeira. A Irlanda, muito mais endividada que nós, deixou de ser alvo dos mercados porque a sua economia revelou um dinamismo que tem faltado a outros, como nós.
Infelizmente este consenso, que deveria levar a atitudes e projectos comuns, quebra logo a seguir, devido a um estranho mal-entendido. É espantoso mas muitos dos que afirmam com clareza a urgência de promover o crescimento e criação de emprego, logo na frase seguinte se põem a falar de outro tema, propondo medidas e intervenções que não só pouco têm a ver com a dinâmica produtiva, mas até a prejudicam.
Este terrível erro, que pode ter consequências gravíssimas no futuro, advém do esquecimento de um facto simples, evidente, incontornável, base central da vida económica, mas frequentemente omisso nos raciocínios de muitos que se dizem especialistas nessas coisas. O crescimento económico só se pode verificar nas empresas, através do trabalho produtivo e investimento rentável, envolvendo mercados equilibrados e eficientes, para satisfazer as necessidades da população. Através do esforço, engenho, iniciativa e dinamismo dos agentes económicos, empenhados a fundo em actividades lucrativas, é que se consegue o tão desejado progresso.
Deste princípio básico e indiscutível saem vários corolários elementares, que as discussões comuns violam de forma ingénua. Por exemplo, se crescimento é isto, então não se trata de uma questão de política, decretos e institutos. Trata-se de economia, empresas, empregos, não diplomas, estudos, discursos. O Estado tem um papel decisivo na sociedade, mas não é fazer crescimento, ter bébés ou marcar golos.
Só que o segundo fôlego de quem fala sobre estes assuntos é sempre dedicado à intriga ministerial. Promover crescimento é, segundo eles, dar subsídios (que implica impostos que oprimem a economia), criar incentivos (que distorcem o dinamismo e rigidificam a estrutura), fazer planos (que estabelecem clientelas e prejudicam negócios), ajudar sectores (que perpetua favores e encarece produtos). Esta foi precisamente a política seguida pelos sucessivos ministérios que nos trouxeram à crise. Eles achavam saber melhor que a sociedade o que havia a fazer, e o resultado está à vista. A década perdida da economia portuguesa, que já se aproxima de década e meia, foi o mais intenso período de política de crescimento da nossa história. Isto não constitui um paradoxo pelo simples facto de que crescimento económico não é política, mas economia. Em certo sentido é o oposto da política.
A razão deste mal-entendido não é distracção ou ignorância. O motivo é que grande parte daqueles que exigem crescimento têm uma agenda própria, que pretendem mascarar de progresso. O que se passa é que na nossa comunicação social raramente se ouve a voz das forças produtivas, dos consumidores, dos pobres. Quem domina o espaço mediático são os grupos de pressão, interesses instalados, organismos de poder. Esses são os que ganham dinheiro com os subsídios, incentivos, planos e ajudas. Esses, mesmo que o crescimento nunca chegue a ser promovido, já receberam o seu. O que eles querem não é crescimento mas política de crescimento.
Portugal precisa de crescimento. Para isso é urgente liberalizar a economia, deixar trabalhadores e patrões fazerem aquilo que sabem, satisfazer clientes, nacionais ou estrangeiros, sem terem ministros, deputados, burocratas e intrigistas a tapar o caminho. É urgente que as principais preocupações das empresas sejam as necessidades dos consumidores e a ameaça dos concorrentes, não os regulamentos e formulários, requerimentos e licenças, grupos de pressão e interesses. Disso temos tido a nossa conta nas últimas décadas, e com eles aprendemos a destruir o crescimento. Agora está na altura de inverter o processo porque, como todos estamos de acordo, Portugal precisa de crescimento.

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