Doar 20 milhões de euros e receber chuva de críticas

Leonídio Paulo Ferreira
DN 2012-10-29

Quando foi a última vez que deu cinco euros a um pobre? Não puxe muito pela memória. A pergunta faz tanto sentido como as críticas ao dono da Zara por ter doado 20 milhões de euros à Cáritas espanhola.
É que houve logo vozes que fizeram questão de lembrar que se tratava de 0,05% da fortuna de Amancio Ortega, sacrifício igual ao de cinco euros para um espanhol que tenha um pé de meia de dez mil euros. Outros preferiram denunciar a generosidade do terceiro homem mais rico do mundo como marketing da Inditex, grupo que detém ainda a Massimo Dutti e a Bershka. E a escritora Lucia Etxebarria publicou no Facebook que o magnata arranjou forma de cortar nos impostos.
Ao contrário do seu país, mergulhado na recessão, o ano tem sido excelente para Ortega, milionário de 72 anos que gere a partir da Galiza o maior grupo têxtil mundial. No primeiro semestre os lucros aproximaram-se dos mil milhões de euros, mais 32% do que em 2011, muito graças à inauguração das novas lojas na China.
Com tanto dinheiro a entrar, a fortuna do dono da Zara aumenta a tal ritmo que a revista Forbes o dava como quinto mais rico na sua última lista de milionários mas a Bloomberg já o coloca em terceiro, com perto de 40 mil milhões de euros. Só está atrás de Bill Gates e de Carlos Slim, conhecidos pela sua filantropia. Aliás, o americano e o mexicano chegaram a juntar esforços em 2010 para oferecerem cem milhões de dólares para um programa de saúde destinado à América Central.
Se foi nos Estados Unidos que começou a tradição dos magnatas doarem parte da fortuna, espécie de gesto de ética protestante em agradecimento à sociedade pelo êxito, o fenómeno é agora tão global como os negócios. E por isso Ortega só surpreende porque, escreve o El País, "este tipo de ações são pouco frequentes em Espanha".
Mesmo assim, a Cáritas espanhola teve doações privadas de 166 milhões de euros no ano passado. Que lhe permitiram apoiar 1,8 milhões de pessoas. Este ano, o dinheiro de Ortega dará de certeza jeito. O país aproxima--se dos seis milhões de desempregados e tal como em Portugal não se vislumbram sinais de uma saída para a crise.
É evidente que Ortega deu uma migalha do que tem; que 20 milhões de euros é tanto como o salário anual de Pablo Isla, o gestor que comanda a Inditex. Pode-se ainda questionar sobre as condições de trabalho nas fábricas mundo fora que fornecem as lojas da Zara e suas irmãs, como faz Etxebarria. E defender que o contributo social dos ricos é através do pagamento de impostos e não da caridade. Mas mesmo assim esta doação é útil e de saudar.
É preciso não esquecer que há muitos tipos de rico. Ortega pertence à categoria dos que nasceram pobres. Filho de um ferroviário de Castela-Leão, chegou com a família à Galiza com 14 anos. Começou a costurar com a sua primeira mulher, Rosalia, na sala de estar. Que ninguém diga que este homem não sabe o que são dificuldades.

Comentários

Francisco Melo disse…
Os que fazem o bem sempre sofrerão críticas dos escravos do mal e da inveja.

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