Navegar no anoitecer do mundo

José Luís Nunes Martins, i-online em 20 Out 2012
Ninguém tem a sua vida, nem nada dela, assente em terra firme. Navegamos solitários


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A maior parte das gentes ainda não percebeu se já é noite ou se está apenas a anoitecer. Anda melhor na escuridão quem esteve atento ao crepúsculo. Vivemos num mundo de pouca luz, o futuro parece ter fugido daqui, vive-se de forma cada vez mais solitária e numa lógica que teima em remeter a esperança para o domínio da ficção. O amanhecer, para muitos, parece já estar para além do que conseguem sonhar.
Nos tempos difíceis, devemos ajustar rapidamente aquilo que depende de nós às circunstâncias externas à nossa vontade. Promover todas as mudanças necessárias, sem olhar ao que se perde, concentrando a atenção no que tem realmente valor. Afinal, a maioria das coisas que julgamos importantes e essenciais não só são supérfluas, como se tornam escolhos perigosos. O que fica depois de tudo se ter perdido é o que somos, o que é realmente nosso, o que tem valor.
O mar é enorme, quase sempre monstruoso. Perante a sua imensidão, a verdade da humildade é evidente. Assim é também o mundo deste tempo, onde os valores do dinheiro, do poder e do sexo se agigantam e lentamente afogam quem se deixa convencer com os seus encantos. Prometem ser escravos de quem querem escravizar... e assim vão enganando um mundo inteiro.
As certezas dos mapas de ontem revelam-se a cada dia que passa como ultrapassadas. Tudo está a mudar, muito rapidamente. Tudo. É fundamental que se aprenda a viver sem muitas certezas, sem muita coisa, sem contar com muito mais para além do que conseguimos levar dentro do peito. O que somos.
Para quem percebe que o mar é o seu porto, a sua felicidade é um dom que pode conceder a si mesmo e uma calmaria em alto mar pode ser uma espécie de porto de paz. Quem navega assim não conhece fronteiras que não sejam as do seu próprio medo. Desenha horizontes que muitos nem sequer chegam a conseguir alcançar com a imaginação. Vai vencendo os cabos da tormentas do seu próprio medo. Passando a maior parte do seu tempo a sofrer as penas, os castigos, o preço de se querer a si mesmo feliz... Engolindo tanta água salgada, muita da qual nascida nos seus próprios olhos.
Ninguém tem a sua vida, nem nada dela, assente em terra firme. Navegamos solitários. Com alguns amigos à vista, mas sem certezas quanto à sua permanência, pois nada do que se pode ver aqui é certo. O Amor não é deste mundo, razão pela qual se deve esperar pelo mundo que vem a seguir a este se se quiser amar na plenitude. Há casos, muito raros, de navegantes que se unem perante o desatino do destino e seguem juntos... à distância de um olhar... mas cada um em seu barco. Sofrendo em dobro...
Naufragamos. Muitas vezes. Mas somos capazes de nos mantermos à tona, aguentarmos o frio, juntarmos os destroços e construirmos com eles um barco novo, sempre sem ver porto algum, sempre em alto mar, sempre com pouca luz...
...quase nunca fazemos sequer ideia do herói que somos.
Por muito que tarde a manhã, por mais revolto que se faça o mar, haverá sempre aqui, neste mundo, homens e mulheres que lutam contra a morte, o medo e o egoísmo... mantendo viva a esperança na vida, na felicidade e no Amor.
Todos morremos. Porque há um momento certo para partir. Mesmo quando não se sabe para onde se vai. Mas, porque só merece o eterno quem ama o que passa, lutemos para nos mantermos à tona, sempre que possível com um sorriso, ainda que entre lágrimas, na certeza de que... os que assim conseguem ser, não são daqui.
E que ninguém chega ao céu sem feridas... Investigador. Escreve ao sábado

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