Os principais inimigos da segurança social são os seus defensores

OJE, 31/10/12, 00:20
Entrevista a João César das Neves

A segurança social não vai implodir, diz João César das Neves. O economista e professor diz que é relativamente fácil tornar o sistema sustentável, mas este tem grandes inimigos e que são os "defensores da segurança social", que sistematicamente atiraram para cima do sistema várias obrigações que o fragilizaram.
No Dia Mundial da Poupança o economista César das Neves afirma que os portugueses começaram a poupar quando o Governo fazia o contrário. Retomaram-se as preocupações com o futuro e a poupança é a forma de garantir a passagem inter-geracional. Critica os que afirmam que a segurança social "morreu", porque esta é sustentável e com facilidade pode ser garantida por dezenas de anos. Defende o ligeiro aumento das contribuições da idade da reforma.
Como vê, neste momento, os portugueses e a poupança?
A poupança é, neste momento, uma das grandes noticias que temos sobre a crise. Estão a acontecer coisas muito importantes nesta evolução da economia, sendo que as pessoas estão a olhar para as más, mas acontecem várias boas e uma delas é com a poupança.
Vivemos este longo endividamento que nos arruinou e que nos trouxe a esta situação de queda brutal da taxa de poupança. Chegou a ser 4% do rendimento disponível, mas logo em 2008 aumentou para o dobro, 8%. Foi um fenómeno imediato e notável. Aliás, enquanto o Governo continuava a esbanjar, as pessoas começaram a reagir perante o susto que foi a falência do Lheman Brothers e depois a crise internacional.
A poupança chegou aos 9%, depois voltou a cair e agora está a subir com os últimos dados a indicar 9%, o que dá um número que não sendo extraordinário, é significativo.
Fomos heróis do máximo de poupança do mundo nos anos 60 e 70, orgulhávamo-nos muito disso, mas isso era um sinal de subdesenvolvimento. Era sinal de um país que não tinha crédito ao consumo, que não tinha crédito para quase nada e que não tinha segurança social para todos e por isso as pessoas ou poupavam ou estariam desgraçadas. Era a existência de mecanismos deficientes na economia.
Felizmente o pais desenvolveu-se, apareceu o crédito, a segurança social e tudo isso permitiu às pessoas deixarem de poupar e o país passou a atuar como a maior parte dos países desenvolvidos. Só que os valores (de endividamento) atingiram níveis inacreditáveis, muito próximos dos americanos, uma economia que está completamente ligada ao crédito. Foi um período dramático de descapitalização da economia.
Este fenómeno da queda de poupança das famílias é um fenómeno que se enquadra no problema geral de endividamento do país e da descapitalização, que é neste momento o que nos está a assolar. Mas o ponto significativo é que houve um salto imediato na taxa de poupança, como disse, e isto mostra como as pessoas reagem aos incentivos. Na altura os agentes perceberam o que tinham de fazer, aliás com o Governo a afirmar o contrário.
Para se poupar mais é preciso incentivos fiscais, tipo os que vigoraram para os PPR, ou não é necessário?
Considero que a decisão da poupança tem a ver com a situação económica de cada um. Os incentivos fiscais vão alterar a forma como se poupa, onde se coloca o dinheiro. Logo, quanto muito irão afetar uma decisão daquele tipo e duvido, por isso, que os incentivos fiscais tenham um grande impacto na decisão da poupança. Aliás, a poupança desceu muito no momento em que o Estado concedia muitos incentivos fiscais.Este tem como efeito orientar a poupança para certos produtos financeiros em vez de ser para outros, mas se os cidadãos não estiverem interessados na poupança, não se consegue nada.

Daquilo que se sabe do OE de 2013 leva psicologicamente à poupança? É um incentivador da poupança?
Sim e pelos dois lados. Já os primeiros economistas tinham notado que havia dois efeitos aqui: a capacidade de poupar e a vontade de poupar.
O OE vai, pelo lado dos impostos, atacar violentamente o rendimento das pessoas e por esse lado teremos menos capacidade para poupar. Por outro lado, precisamente por estarmos aflitos, temos mais vontade de poupar porque o futuro assusta e as pessoas irão "apertar o cinto". Este será um efeito misto e vamos ver o que irá acontecer.
Tal como disse a evolução dos últimos quatro anos foi muito significativa e é provável que as coisas continuem assim, que as pessoas se habituem a um nível de poupança porque o crédito está fechado e vêem, o futuro, com susto.

Acredita na implosão do sistema de segurança social dentro de poucos anos?
Sinceramente não acredito. Há vários erros na análise, mas claro que temos um problema sério que foi causado, sobretudo, pelos defensores da segurança social. Foram pessoas que atiraram para cima do sistema várias situações que evidentemente o tornam frágil em termos financeiros. Os principais inimigos da segurança social são os defensores da segurança social.
É preciso dizer que o que está por detrás da segurança social é uma coisa excelente e que é vivermos mais tempo e com boa saúde. É um problema em que temos de um lado o facto de vivermos mais tempo e depois temos um crescimento económico que "vai acontecendo". Logo temos mais para distribuir não menos. Não existe um problema económico da segurança social e basta ser só realista, ou seja, aumentar a idade da reforma (porque vivemos mais tempo e em melhores condições) para resolver a questão.
O que aconteceu foi que para este aumento da idade da morte houve uma redução da idade da reforma, o que é um disparate. Criámos não um problema económico na segurança social, mas um problema financeiro. Se aqueles que pagam continuarem a pagar o mesmo, e se aqueles que recebem continuarem a receber o mesmo, não chega o dinheiro.
E uma irresponsabilidade e deve dizer-se que em Portugal é muito mais frágil do que em outros sítios, porque em outros locais começaram muito mais cedo e têm um problema muito maior. O nosso é menor pois não temos ainda um défice da segurança social como a maior parte dos nossos parceiros tem, e a decisão do eng. Sócrates no seu primeiro Governo de fazer uma pequena reforma da segurança social foi suficiente para atirar o problema para daqui a 20 anos. A questão está já adiada e se tivesse um pouco mais teria resolvido a questão de vez, mas infelizmente não o conseguiu fazer.
Mas qualquer outra reforma dentro deste modelo - possivelmente dentro desta crise, isso será feito - irá resolver a questão. Acredito que mais um pequeno aumento da idade da reforma conseguirá resolver a situação.

Fala de que idade para a reforma?
Não tenho contas feitas e não sou especialista nessa matéria. Por aquilo que vi não será necessário nenhum aumento brutal, bastando ter realismo, já que as pessoas estão a ganhar mais e a viver mais tempo, logo pode-se subir as contribuições e aumentar a idade.
Pode haver um juízo para que este sistema seja estável, tanto mais que é um sistema que todos querem. Basta ser realista, embora boa parte dos decisores que são defensores "nominais" do sistema de segurança social não fizessem as contas e atirassem para cima do sistema responsabilidades que depois não puderam ser sustentadas.
Acho uma tolice dizer-se que o sistema está falido ou que o Estado português "morreu". Temos de abandonar isso, é um "papão" que alguns usam com finalidades políticas inconfessáveis.
E embora seja um problema exigente, um problema financeiro muito grande porque se inicia quando as pessoas começam a trabalhar e só acaba quando as pessoas morrem, estamos a falar do mais longo de todos problemas financeiros que existem no mundo, mas repito, não tem dificuldade técnica especial.
Também é verdade que na segurança social tem de se separar várias coisas diferentes. Temos um sistema de pensões que é um sistema de capitalização; temos um sistema de seguro, caso do subsídio de desemprego; e depois temos um problema de redistribuição, essencialmente para os mais pobres e que não descontaram. Estes três problemas têm de ser tratados de forma diferente, mas há dinheiro para tudo e as pessoas conseguem resolver desde que o façam com seriedade e equilíbrio. Infelizmente a demagogia neste campo é muito forte.

Este OE poderia ter isso em consideração e não tem...
Este Orçamento está espartilhado à nascença. Boa parte das pessoas que estão a insultar o OE não percebem que este estava pré-definido, primeiro pela Troika e pelo Memorando, e depois pela decisão do Tribunal Constitucional que proibiu o caminho que tinha sido decidido inicialmente e que era um caminho que ia pelas despesas, embora de uma maneira brutal e não estrutural, mas conjuntural. Ora, isso ficou proibido por esse lado e houve que arranjar uma outra solução.
A primeira ideia a envolver a TSU funcionaria melhor do que a solução entretanto proposta a nível de consolidação?
Não sendo especialista em fiscalidade posso afirmar que tenho grandes hesitações. Desde logo, a medida incidiria diretamente sobre as empresas e o setor produtivo, o que me parece sempre uma má ideia. É evidente que via IRS acaba-se por ir lá, mas já está filtrado. São as pessoas a gastar e não as empresas a pagar.
Depois há um outro problema que se deve ao facto de a TSU ser proporcional e não ser progressiva, o que significa que iria afetar os mais pobres, independentemente de alguns ajustamentos, haveria um problema de progressividade e, portanto, de injustiça. E depois politicamente seria algo impossível. Não se pode no mesmo imposto descer para uns e subir para outros.
Aliás, quando a Troika pediu para se descer a TSU, essa foi a única medida da Troika que não foi aplicada, para as empresas e sem mais nada. Isso não foi feito e um ano depois vai-se tentar a fazer isso, a par de se tentar subir a TSU dos trabalhadores que estão debaixo do mesmo teto de quem iria pagar menos... . Não consigo perceber. É uma insensibilidade política evidente.

A demografia em Portugal tem vindo a ser afetada ao longo dos últimos 15 anos. De que forma esta situação impacta na poupança e na segurança social?
Estamos com uma catástrofe demográfica de primeira dimensão. Portugal está bem pior do que os outros europeus. Temos duas catástrofes no mundo demográfico, que são a Rússia e o Japão, depois a China e a Europa vêm a seguir, sendo que o pequeno Portugal - que não afeta nada - está pior do que qualquer destes blocos, com uma baixíssima taxa de natalidade.
Esta é uma situação dramática, para além das questões do casamento que criam instabilidade na relação das pessoas e daí também os problemas da segurança social, velhice e de isolamento. Estamos a ter um problema gravíssimo em termos sociais e para o qual ninguém está a olhar, estando todos centrados na crise e no desemprego, sem que ninguém olhe para aquilo que é realmente o mais importante e que terá consequências a longo prazo, na próxima geração.

E quais as consequências práticas para o país?
Portugal aguenta-se, acredito eu, mas duvido que se aguente a cultura portuguesa, com outros a virem para cá. O que isto significa em termos de futuro: ninguém sabe, mas esta é a questão mais decisiva e a questão que ninguém fala.

Um último comentário global sobre esta proposta de OE?
O OE cumpre o que está previsto, os 4,5%, que já é um alívio. Infelizmente cumpre o défice, mais uma vez pelo lado da receita e não pelo lado da despesa que aumenta mais que a inflação e mais que o produto nominal. A despesa volta a aumentar em todas as dimensões. É preciso dizer que em 2011 foi a primeira vez desde1950 que a despesa pública desceu em termos nominais.
Em 60 anos não houve qualquer ano em que descesse a despesa pública. Desceu 5% em 2011 e voltou a descer este ano 10%. Foi uma vitória espantosa, algo inesperado, mas as forças instaladas têm poder e reagiram, conseguindo invertendo a situação. Debaixo de escolta como estamos não podíamos fazer outra coisa e essa outra coisa só podia ser pelo lado das receitas, que é o meio que foi sempre usado ao longo das últimas décadas em Portugal para conseguir fingir que se resolve o problema.
O problema português nunca foi uma questão de receita, foi sempre o de despesa. Quando se aumenta a receita só se confirma a despesa e logo aumenta-se o problema.
Vamos conseguir o défice, mas nos dois primeiros anos de uma boa maneira e nestes dois próximos anos será dentro do modelo do costume, o que não é nada bom.

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