Responsabilidades

Público 2012-10-09 Pedro Lomba

O congresso das alternativas, referido estranhamente pela imprensa nos últimos dias em letra maiúscula, reuniu no fim-de-semana sensibilidades diversas das esquerdas, da extrema-esquerda ao PS. Terminou com apelos à denúncia do acordo com a troika, com severas críticas ao PS por nunca ter facilitado qualquer convergência à esquerda e a favor, como se esperaria, da demissão do Governo. Mas não terminou como talvez devesse ter terminado: com um grande exercício de autocrítica. Isso ninguém ali achou possível nem necessário.

Há em Portugal alguns mitos convenientes a que interessa periodicamente regressar. Repetidos até à exaustão, deixam as pessoas mais desprevenidas a pensar que são verdadeiros. Um desses mitos é o de que a colecção das nossas esquerdas se acha inocente de tudo o que de mal nos tem acontecido. Nunca exerceram qualquer poder, sendo por isso inteiramente alheias ao actual estado de coisas. Tivessem feito como eles recomendaram e não estávamos aqui. Agora, os participantes afirmam que têm uma alternativa. Querem, na sua esmagadora maioria, Portugal fora do euro e da União Europeia. Não é que o euro deva ser um tabu, mas essa saída teria consequências: um empobrecimento imediato e uma brutal redução do nosso nível de vida. Nada de novo. Como nada de novo na ideia que estes senhores tanto gostam de vender: que nunca tiveram nada a ver com isto.

Esta omissão sinceramente espanta. Porque não se percebe que as esquerdas, do PCP a outros géneros sortidos, insistam na ideia de que nunca decidiram nada, nunca estiveram no poder, acusando pelo meio um ímpio PS de lhes ter vedado esse acesso, e só porque nunca chegaram sozinhos ou em coligação ao governo. Não só passaram em tempos pelo governo, com as consequências que se conhecem para a economia e para o sistema político, como o facto é que conservaram desde o início, por diversas vias, posições no Estado, na Administração, nos sindicatos e nalgumas corporações profissionais que lhes deram um poder real. De resto, foi essa uma das "transacções" mais curiosas deste regime. O recuo da esquerda radical em termos eleitorais foi compensado pela sua permanência no Estado e na Administração. Pensam eles que têm as mãos limpas porque o povo votou maciçamente, todo este tempo, no PS, PSD e CDS. Mas quem acredita que acordos de empresa, como os que deram aos maquinistas da CP a sua posição de vantagem, surgiram do nada?

A crise económica tem sido usada para denunciar a saturnal neoliberal em que o mundo viveu nos últimos 30 anos. É verdade que o capitalismo internacional andou solto e o capitalismo financeiro ainda mais, sobretudo desde que no fim dos anos 90 Bill Clinton revogou a célebre Glass-Seagal, permitindo à banca comercial expandir-se para a banca de investimento. Mas é falso que Portugal tivesse sido governado e administrado fora de um bloco político-social em cuja génese participou sempre activamente a nossa extrema-esquerda.

Entretanto, os 20 anos da SIC trouxeram-nos de volta o passado da televisão. Pudemos assistir, ainda que por instantes, a uma das mais demagógicas contestações do início dos anos 90: a luta contra as propinas. Mais ou menos na mesma altura, deu-se outra luta contra as taxas moderadoras na saúde. Olhar para aquele espectáculo de irrealismo orquestrado, com o que sabemos hoje e com o que exigimos hoje aos estudantes universitário, só mostra que não há e nunca houve inocentes.

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