A encruzilhada europeia

João Carlos Espada
Público, 10/12/2012

"Mais Europa" é uma União mais integrada com menos europeus ou mais pluralista com mais europeus?

Os preparativos da cimeira europeia das próximas quinta e sexta-feiras vêm ocupando os analistas nas últimas semanas. Mas o tema central dos últimos dias foi dado pela exuberante capa do Economist de Londres: "Adeus Europa. O que aconteceria se a Grã-Bretanha saísse da União Europeia."
O tema é tratado em editorial e numa secção especial de quatro densas páginas. A grande novidade não reside na defesa por The Economist da permanência inglesa na União - uma posição que há muito é timbre da revista, embora associada a severas críticas ao alegado excesso de centralismo burocrático de Bruxelas. A grande novidade reside no ponto de partida dos artigos, bem expressa na capa: se houvesse um referendo hoje, tudo indica que os britânicos escolheriam sair da União. No partido conservador e no trabalhista, as correntes eurocépticas estão em rápida ascensão. Em suma, a Inglaterra pode ter entrado em trajectória de saída da União Europeia.
No continente europeu, é costume ridicularizar a insularidade britânica, atribuindo-a a um nacionalismo ultrapassado e a um saudosismo do defunto império britânico. Mas esse é um equívoco que as sondagens ajudam a esclarecer. 49% dos britânicos votariam hoje pela saída da UE, contra 32% que escolheriam ficar. Mas, quando a pergunta das sondagens é sobre "uma relação mais distante com a UE que fosse pouco mais do que uma área de comércio livre", 46% passa a ser favor e apenas 26% continuam a preferir sair.
Por outras palavras, o chamado "nacionalismo britânico" não é do tipo proteccionista e xenófobo que tantas vezes domina os sectores anti-europeístas no continente. Tem a ver com uma centenária tradição de cepticismo face a construções políticas centralizadas e com uma também centenária obsessão com a soberania do Parlamento nacional.
Estarão essas peculiaridades britânicas certas ou erradas? Não creio que esta seja a pergunta relevante de um ponto de vista europeu. O que interessa, primeiro que tudo, é compreender que essa é uma característica britânica dificilmente contornável. Em seguida, interessa saber se queremos ou não que essa especificidade possa ter lugar na União Europeia.
Como tentei argumentar num artigo sobre a origem dos extremismos na União Europeia na última edição do Journal of Democracy, o debate europeu precisa de mais democracia, não de menos. E uma característica fundamental da democracia é o conflito e concorrência pacíficas entre projectos rivais. Por outras palavras, a oposição britânica a uma visão mais integrada da União Europeia deveria ser tratada como um dos projectos possíveis para a União Europeia - não como um projecto incompatível com a União Europeia. Em contrapartida, a proposta de maior integração deveria também ela ser tratada como apenas uma das propostas possíveis - e não como a "verdadeira representante do projecto europeu".
Talvez possa ser dito que esta é uma forma demasiado abstracta de colocar o problema. Mas ela tem poderosas consequências políticas. Se aceitarmos que existem várias escolhas possíveis, deveremos optar por soluções flexíveis que permitam a diferentes países adoptar diferentes graus de integração supranacional. Veremos nessa variedade uma vantagem. Porque ela permite incluir mais, e não menos, nações europeias. E porque abre um campo alargado de experimentação, por ensaio e erro, em que as opiniões públicas poderão ir comparando os resultados de diferentes graus de integração entre diferentes Estados-membros.
Em contrapartida, se identificarmos o projecto europeu exclusivamente com uma opinião particular - neste caso com mais integração supranacional - então necessariamente empurraremos as opiniões contrárias para a periferia ou mesmo para o exterior da União. A expressão "Mais Europa", tão em voga nos círculos favoráveis a maior integração, poderá nesse caso realmente querer dizer mais coesão supranacional. Mas arrisca-se também a querer dizer maiores tensões internas e, possivelmente, menos países europeus abrangidos por essa "Mais Europa".
Esta é a verdadeira encruzilhada europeia actual. Não se trata de saber se os Estados-membros da União - e designadamente da zona euro - devem ou não proceder a maior integração supranacional. Trata-se de saber se essa escolha, inteiramente legítima, de alguns países é ou não compatível com uma escolha de menor integração por parte de outros. Por outras palavras, a expressão "mais Europa" deve significar uma União mais integrada com menos europeus, ou deve querer dizer uma União mais pluralista com mais europeus?

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