Os regimes caem assim

Vasco Pulido Valente
Público, 28/12/2012

Os jornais vêm cheios de artigos de "opinião", assinados pelas mais fantásticas criaturas: pelo director disto, pelo presidente daquilo, pelo dono daqueloutro. A substância e o estilo são sempre de amadores, que resolveram comunicar à Pátria (e quem sabe se ao mundo) a sua irresistível receita para nos salvar. A prosa em si própria não passa de uma variação ou de um puro plágio do que por aí anda escrito. Escrito e dito na rádio e na televisão por políticos de vária pinta - o que aprenderam de cor e despejam por cima de nós, sem a menor espécie de escrúpulo. Os "moderadores", com um arzinho submisso e acolhedor, não abrem a boca, mesmo quando lhes passam à frente do nariz monstruosidades que qualquer adolescente identificaria a dormir.
Ninguém, de resto, pergunta a estes profetas qual é o seu currículo ou em que trabalham agora. Enganar o próximo é o fim universal dos currículos (quem andou pela universidade tem uma ideia de como se fabricam). E, por isso, o nome acaba por bastar, às vezes com indicação de um cargo ambíguo, ou desconhecido, e a tranquilizante segurança de que se trata de um "professor". De onde ou de quê, muito raras vezes se investiga. Num país de falsos drs., para já não falar em engenheiros de grande ambiguidade, a palavra "professor" confere logo a uma criatura a autoridade do Papa; o que permite depois que ela sirva ao indígena ignorante e aflito o sermão económico que bem entender. Há milhares de peixes neste turvo aquário e poucas maneiras de os distinguir.
Tanto mais que o jornal médio português - por causa da crise, dos despedimentos e de maus costumes - não emprega fact-checkers. Nada impede o primeiro maluco - desde que seja baixo, gordinho e ligeiramente careca - de meter a mão no colete e se apresentar num "órgão de referência", declarando que é Sua Majestade, Imperador dos Franceses, Rei de Itália e Protector da Confederação do Reno. Não digo que, ao princípio, não levantasse uma ou outra suspeita. Mas como o homem conhecia muito bem a geografia da terra, fizera na véspera uma conferência num hotel de cinco estrelas, fora apresentado por um "professor" e era partidário da renegociação do "memorando", a redacção começou a tremer. E, com a redacção, o director: e se lhe escapasse aquela extraordinária notícia?... Do resto, toda a gente se ri. Sem razão. Porque a moral da história é esta: em Portugal, a diferença entre a honestidade e a vigarice desapareceu. Os regimes caem assim.

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