Urgentemente

VASCO GRAÇA MOURA
DN 2013-01-09

Há uma semana, escrevi nesta coluna sobre o adiamento de aplicação do Acordo Ortográfico no Brasil, por decisão da presidente Dilma Rousseff, que atendeu uma série de protestos e manifestações pedindo a suspensão e revisão do documento.
As implicações da situação assim criada, no plano internacional, são por demais evidentes. Escusamos de pensar que as Repúblicas Populares de Angola e Moçambique vão ratificar o AO nos próximos tempos, uma vez que não o fizeram quando não se esperava esta reviravolta da posição brasileira e é perfeitamente claro que nada farão enquanto não souberem em que param as modas.
Esses países vão, e muito bem, manter o statu quo e a norma ortográfica vigente que, repito mais uma vez, não é, nem pode ser, a do Acordo Ortográfico.
Sendo assim, e se Portugal nada fizer, o comando das operações ficará nas mãos do Brasil, que nunca mais aplicará o AO na sua forma actual. Note-se bem: nunca mais!
Não digo isto com pruridos patriotinheiros, mas na previsão de que as modificações que venham a ser introduzidas no AO corresponderão apenas a características fonéticas e ortográficas do português do Brasil, mantendo-se as diferenças em relação à língua que se fala e escreve deste lado do Atlântico.
Isto é, nesse caso o Brasil levará a efeito mais uma sua reforma ortográfica própria, arredando várias das regras do Acordo Ortográfico mais gravemente lesivas da língua que é falada nos restantes sete países interessados.
Nestas circunstâncias, Portugal não tem qualquer interesse em aplicar o AO numa forma que, afinal, não vai ser adoptada em parte nenhuma...
Há, dir-se-á, muita coisa que já se escreve em conformidade com as suas bases, muitos livros escolares que também já são impressos nesses termos, muitas práticas públicas que procuram já aplicar as normas referidas. E portanto, voltar atrás implicaria custos muito consideráveis que a crise actual não nos permite suportar.
É óbvio que os custos não poderão deixar de ser elevados. Os erros, por vezes, pagam-se muito caro, e este é um desses casos. Mas os custos, nesse caso, não podem ser desculpa para não se fazer nada!
A tudo isto pode sempre objectar-se de várias maneiras. Sem voltar a invocar os muitos argumentos jurídicos de que os oponentes do AO têm lançado mão, temos, por um lado, que não faz qualquer sentido aplicar-se uma "reforma" que se tornou substantivamente inaplicável e cujos objectivos e pressupostos se evaporaram na prática com o adiamento brasileiro.
Por outro lado, e no tocante às alterações nos livros e manuais escolares e às práticas do ensino em todos os seus níveis, deverá ponderar-se que, quanto mais tarde for alterada a presente situação, mais cara ela sairá ao povo português.
E sairá mais cara no plano cultural, no plano económico e no plano financeiro.
No plano cultural, porque será cada vez mais difícil a correcção e a erradicação dos erros e entretanto a tendência será para que a memória da ortografia de 1945 se vá perdendo injustificadamente.
No plano económico, porque em nada lucrará esta língua que é falada em oito países, enquanto factor de crescimento, de desenvolvimento e de progresso à escala planetária, com a adopção por parte de Portugal de bizarras soluções que mais ninguém adoptará.
No plano financeiro, porque, quanto mais tarde se proceder às inevitáveis modificações e correcções, mais dinheiro custará essa operação à escala do ensino, da edição, dos serviços públicos, dos jornais, etc., etc.
A questão escolar é especialmente relevante. Talvez o problema possa ser atenuado pelo facto de haver manuais, impressos sem as regras aberrantes do AO, cuja validade ainda se mantenha. Num período de transição e dado que os livros escolares valem por vários anos, é natural que não tenham todos sido substituídos.
Seja como for, qualquer opção que envolva a continuação da aplicação do AO na sua forma presente acabará por nos sair mais cara do que a sua suspensão imediata.
Uma criteriosa formação dos professores e dos responsáveis pela educação, uma acção bem desenvolvida e considerada de serviço público por parte da televisão, uma campanha bem estruturada na comunicação social para a qual se concite a adesão dos próprios jornais, podem ajudar a reduzir os custos envolvidos.
Impossível não é. E não pode deixar de ser feito. Urgentemente.
Por decisão pessoal, o autor do texto não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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