Envelhecer

Correio da Manhã, 2013-02-10
João Miguel Tavares, Jornalista (jmtavares@cmjornal.pt)
" É suposto eu vir a ter uma crise da meia-idade e a pôr em causa todo o sentido da minha vida"


Este é o ano do meu quadragésimo aniversário. Daqui a sete meses, dar-se-á a minha gloriosa entrada nos "entas", e dos "entas", como se costuma dizer na minha terra, geralmente já não se sai. Segundo a mais respeitável literatura, é suposto eu vir a ter uma crise da meia-idade e a pôr em causa todo o sentido da minha vida, acompanhando a invasão do cocuruto pelos cabelos brancos (que já começou) e o interesse dos médicos pela minha próstata (que ainda não começou).
Tudo isto me preocupa num único sentido: poder não estar à altura da situação. Num mundo onde o corpo jovem é tão cultivado e a sabedoria dos velhos tão desprezada (reparem como já pareço um deles a falar), detestaria não saber conviver com as minhas rugas, como aquelas estrelas que começam a colecionar operações plásticas por não suportarem o seu próprio reflexo. Saber envelhecer é uma extraordinária arte, apenas suplantada pela arte de saber morrer. E deve ser por isso que nos últimos tempos não me sai da cabeça uma belíssima canção da Amélia Muge, construída a partir de versos de Grabato Dias, que diz: "Estar vivo é estar à morte/ cativo de um plim da sorte."
É possível que um pessimista considere tais versos um reflexo da tragédia que é este mundo, e viva na permanente angústia de que um dia a sorte acabe. Mas eu, que sou mais dado a otimismos, entendo-os como uma celebração da vida, essa graça incrível que nos foi dada (pela sorte, por Deus, pelo que quiserem), e que exatamente por ser tão frágil e tão curta convém ser celebrada a cada momento.
Daí que a minha esperança de futuro quarentão resida nesta outra esperança: a de que em vez de me deprimir com tudo aquilo que deixo de ser capaz de fazer, comece a agradecer tudo aquilo que ainda está ao meu alcance. Que à medida que for vendo cada vez menos e ouvindo cada vez pior, haja sentidos interiores que se apurem, de forma a poder festejar o mais pequeno "plim".
De certo modo, é o que já me acontece, graças à exigência de criar quatro filhos, que nos levam o tempo e a paciência a um ponto que, quais místicos de trazer por casa, passamos a apreciar as coisas mais simples com uma profundidade inimaginável. Um duche quente, um momento de silêncio, um abraço ao deitar nunca me souberam tão bem quanto hoje. Se os 40 me derem mais disso, então eles que venham. Cá estarei – ainda que curvado – para os receber.

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