O sentido da vida

Inês Teotónio Pereira , ionline em 2 Fev 2013
Durante anos a ser vítimas de massacres de perguntas, habituei-me a responder a algumas, a responder que não sei a outras e a disfarçar a minha ignorância numa dúzia
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Uma das grandes diferenças entre os adultos e as crianças é que as crianças fazem perguntas e os adultos não. Os adultos não sabem fazer perguntas. Não quer isto dizer que não tenhamos dúvidas: até temos mais que as crianças. Isto quer apenas dizer que já não nos chateamos com o assunto. Vivemos muitíssimo bem na nossa infinita ignorância e não temos paciência absolutamente nenhuma para levantar dúvidas sobre coisas mais elaboradas. As coisas são como são e se por azar tivermos uma dúvida que precisa mesmo de uma resposta urgente vamos ao Google e pronto. Agora perguntar é que não. Perguntar a quem? E se a dúvida for estúpida? Além do mais, o que ganhamos concretamente, tipo em dinheiro, com as respostas? Nada. Por isso, mais vale estarmos quietinhos, sem grandes ginásticas intelectuais e com todo o cuidado para não atafulharmos o nosso cansado cérebro com informações inúteis.
Por isso, e só por isso, é que os génios, que passam a sua existência com dúvidas e a desvendar os grandes mistérios do universo, são normalmente muito infantis: têm invariavelmente um sentido de humor muito bizarro e gostam mais de fazer coisas estranhas, como construções (impossíveis) ou jogos de matemática (impossíveis) do que de beber cervejas ou ver telenovelas. Génio que é génio brinca, não se diverte seriamente como os adultos. Esta é a regra. Já nós, as pessoas normais, ao contrário das crianças e dos génios, não questionamos nada nem ninguém – não temos dúvidas nem queremos ter. Se tivéssemos éramos cientistas e estávamos sempre despenteados.
Ora este estado natural das coisas faz com que seja um suplício termos de responder às dúvidas das nossas criancinhas. Nós, meros pais. Questões sobre a gravidade, a gravidez, a morte, Deus, o Sol, a luz, a dor, etc. devem ser apresentadas aos laboratórios científicos e não aos pobres pais. Os pais sabem o que é o jantar, onde é supermercado, em que dia é que dá o Benfica e pronto, chega. Tudo o mais são questões, dúvidas, temas que no nosso entender são inúteis para o nosso dia-a-dia. O que é que me interessa para que lado gira a Terra ou porque é que as estrelas não caem? Não caem e pronto. Quando estiverem para cair alguém nos avisará se há azar ou não. Até lá não há problema.
É verdade que a internet veio ajudar na resolução de parte desta situação injusta e angustiante. Na internet estão quase todas respostas às perguntas mais bizarras e inoportunas que saem das cabecinhas dos nossos filhos. Na dúvida sobre a resposta a uma dúvida é ir ao Google e pronto. Mas também é verdade que há coisas que não estão lá: as questões de vida ou morte, por exemplo, não estão, ou não estão de forma objectiva porque existem várias versões sobre o tema, o que só levanta mais dúvidas.
Durante anos e anos a ser vítima de massacres de perguntas, habituei-me a responder a algumas (aprendi…), a responder que não sei a outras e a disfarçar a minha ignorância numa dúzia (no máximo). São técnicas que se vão desenvolvendo em situações que experimentam o limite da nossa resistência física. Mas a última, a última pergunta que me fizeram bate todas as outras: "Mãe, porque é que vivemos?" Ora toma. O rapaz não quer saber para onde vamos, quando morremos, porque é que morremos ou como nascemos: quer saber porque é que vive. Ele não quer saber o sentido da vida mas sim o sentido da própria existência. Posto isto fui fazer o jantar, ele foi tomar banho e a dúvida dissipou-se.

Comentários

beirão disse…
Por que é que vivemos? Pergunta tramada, esta. A sua resposta é, de facto, uma montanha de dúvidas...
Anónimo disse…
Pergunta tramada.

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