Um Papa surpreendente

Francisco Sarsfield Cabral
RR on-line 11-02-2013 15:36 

Não me custa a acreditar que um profundo teólogo como Bento XVI sentisse crescente desconforto com a exigência de governar algo tão ingrato de gerir como a Cúria Romana.
 
Como toda a gente, ou quase, fui surpreendido pela notícia de que Bento XVI renuncia no fim deste mês. Ele próprio apresentou os seus motivos: falta de forças físicas para exercer cabalmente a função papal. Haverá, aliás já começou, muita especulação sobre outros eventuais motivos. Não me custa a acreditar que um profundo teólogo como Bento XVI sentisse crescente desconforto com a exigência de governar algo tão ingrato de gerir como a Cúria Romana.

Mas este Papa surpreendeu-me logo que assumiu o cargo. Eu já tinha lido, e apreciado, um livro de J. Ratzinger dos anos 60. Depois perdi o contacto com os seus escritos. Contacto que retomei quando, por Ratzinger se ter tornado Papa, começaram a surgir nas livrarias portuguesas textos dele.

A qualidade do pensamento cristão de Ratzinger impressionou-me. Até porque não foge aos problemas, mesmo correndo o risco de ser politicamente incorrecto. Vai ao fundo das questões, ainda que fosse mais cómodo contornar alguns obstáculos. A imagem mediática de que Ratzinger era uma espécie de "Grande Inquisidor" foi-se desvanecendo.

A minha admiração pela profundidade da fé de Ratzinger cresceu ainda mais com o que ele escreveu e disse quando Papa. As três encíclicas que publicou, por exemplo, são textos preciosos, fundamentais para uma fé adulta no mundo de hoje.

O grande combate de Ratzniger, antes e depois de ser Papa, é contra o relativismo. Com o Concílio Vaticano II a Igreja fez as pazes com a razão moderna. Mas, por ironia da história, a razão é hoje desvalorizada pelas tendências ditas pós-modernas. Que não afectam apenas as esferas teóricas da filosofia e da própria teologia: o relativismo prático, a ideia de que cada um tem os valores que lhe agradam, mina a sociedade moderna.

Daí a importância que Ratzinger concede à razão e à herança grega no cristianismo. O que lhe permitiu ser um interlocutor ouvido e respeitado por importantes intelectuais não crentes. Para este grande teólogo não agir segundo a razão é contrário à natureza de Deus. Afirma ele que entre o Espírito criador de Deus e a nossa razão há uma verdadeira analogia.

Mas este Papa que, pela primeira vez em seis séculos, renuncia ao papado, não é um mero intelectual académico. É uma pessoa que atrai pela sua simplicidade, pela sua timidez, pela sua humildade. Daí outras surpresas.

Por exemplo, a visita que fez a Inglaterra em 2010 (a primeira de um Papa desde 1534) suscitou, antes de realizada, muitas reacções hostis. Mas Bento XVI conquistou os britânicos – e não foi com teologia. Foi com a autenticidade da sua fé e o seu amor pelas pessoas. Aliás, meses antes, num anfiteatro do Centro Cultural de Belém, em Lisboa, o Papa tinha encantado um vasto auditório maioritariamente não crente.

Pela minha parte, gostaria que J. Ratzinger, depois de resignar, nos surpreendesse de novo, continuando a escrever e a iluminarmo-nos.

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