A renúncia de Joseph Ratzinger

Jaime Nogueira Pinto
Sol, 5 de Março, 2013
A renúncia de Bento XVI criou perplexidade fora e dentro da Igreja: os ateus, os agnósticos, os laicos, os indiferentes, quiseram ver no gesto do Papa um gesto positivo que tornaria a Igreja mais humana, menos sagrada, mais parecida com um partido ou com uma empresa em que o líder, o Administrador em dificuldades, pede a reforma.
Daí alguma simpatia, mas sobretudo a mordacidade triunfante daqueles a que Dostoiewsky chamava «os fanáticos da impiedade».
Para os católicos, a perplexidade tem a ver com a originalidade do gesto de Bento XVI. Desde que a Igreja se libertou da tutela política dos imperadores, dos reis, das famílias romanas que impunham os seus parentes como Papas e até das servidões do seu próprio poder, que nenhum Pontífice fizera isto.
E este não é um Pontífice qualquer: teve a difícil missão de suceder a um Papa carismático e popular, amado de todos; teve que chefiar a Igreja num dos períodos mais difíceis da História, com a descristianização da Europa Ocidental, e o catolicismo das Américas e das Áfricas, pujante mas às vezes cheio de heterodoxias e crendices. E teve, sobretudo, que enfrentar uma coligação de forças laicas que a Guerra Fria mantivera na aliança com as forças espirituais, mas que, sem medo ao comunismo, se lançara na agressão do 'fanatismo da impiedade'.
Bento XVI combateu corajosamente esta agressão e o relativismo moral que a fundamenta; procurou o diálogo com o Islão e a concórdia entre as religiões do Livro; trabalhou pela unidade na pluralidade de ritos e obediências de católicos e de cristãos; esclareceu com sabedoria, coerência, rigor e humildade as grandes verdades da fé em livros seus e Encíclicas da Igreja. Nunca teve medo.
Travou uma luta determinada, corajosa, dolorosa, contra o grande escândalo da pederastia e pedofilia entre os sacerdotes e da corrupção financeira em sectores da Administração Apostólica.
O mal que os maus pastores fizeram às suas vítimas e à própria Igreja, o Papa sentiu-o mais que ninguém. A Igreja sempre foi forte contra os ataques de fora, como as perseguições e os martírios que, do anticlericalismo dos jacobinos às matanças de Espanha e aos gulags comunistas, lhe foram impostos. Aí resistiu e teve os seus mártires.
Mas o mal de dentro, dos sacerdotes pedófilos, dos predadores dos pobres e das crianças, dos maus pastores, foi pior. E Bento XVI teve que enfrentar esse flagelo, na linha da frente da autoridade e da decisão.
Desistiu, foi vencido, desceu da cruz por não a poder aguentar? Para os providencialistas, a Igreja está – como tudo – nas mãos de Deus e há que confiar; para os liberais, o gesto do Papa é um sinal de democracia de uma instituição que não tem nada a ver com ela e por isso os irrita e incomoda.
Para nós, o Papa que é também um homem – Joseph Ratzinger, tomou, com certeza depois de muita meditação e oração, essa decisão drástica, acreditando tal ser o melhor, não para ele, mas para a Igreja. Porque o Papa, enquanto Vicarius Christi, não renuncia, mas o homem pode e deve fazê-lo, se acha ser esse o seu dever e a vontade de Deus.

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