Elogio da brevidade

Carla Hilário Quevedo, i-online 23 Mar 2013
O hábito, em Portugal, não é infelizmente o de ser breve nas intervenções parlamentares, nas reuniões nas empresas, nas conversas com estranhos
Soubemos há dias que um senador norte-americano usou de um estratagema que me disseram ser mais comum do que pensamos, embora não naquela forma de um indivíduo a falar sem parar para impedir a eleição de um membro da administração Obama. Rand Paul falou durante 13 horas ininterruptamente, fazendo um dos vários usos do "filibuster", um mecanismo legal que permite o que, para mim, seria um completo pesadelo tornado realidade. Nada que as minhas amigas e eu, todas juntas, não conseguíssemos igualar ou até superar, mas confesso que me causou uma certa impressão saber que um ser humano consegue falar sozinho, para quem o quiser ouvir, durante 13 horas seguidas.
Mesmo no caso das minhas amigas e eu, verdade seja dita, ao fim de duas, três horas, a sensação é a de que nos estamos a repetir. Não podia ser de outra forma. Mesmo quando as conversas são sobre assuntos muito específicos que requerem uma atenção especial e um escrutínio profundo e apurado, temos desenvolvido em conjunto a arte da brevidade com uma tal perícia que sabemos reconhecer a repetição, o engonhanço inaceitável, sempre que caímos na tentação preguiçosa de recuperar o que foi dissecado e morto, tantas vezes por esta ordem. A conversa de chacha só atrapalha nos casos em que o desejo não é acabar frivolamente com o silêncio, mas tentar realmente perceber o que se passa na vida das pessoas. Coisas de amigos, entre amigos, para amigos.
O hábito, em Portugal, não é infelizmente o de ser breve nas intervenções parlamentares, nas reuniões nas empresas, nas conversas com estranhos. É um péssimo hábito porque não é tanto o silêncio que é de ouro: é o tempo. Quase tudo demora mais do que deveria, e sabemo-lo porque notamos as repetições, a falta de conteúdo nos discursos, a chamada "palha" que toda a gente julga ser necessária não sabemos bem para quê. Ou sabemos: para fazer de conta que se está a dizer alguma coisa quando não há nenhuma ideia, nenhum conteúdo e nenhuma originalidade no que se diz. Ao contrário da brevidade, que é sexy, como disse um dia Dorothy Parker, aperfeiçoando um verso de Shakespeare, palavras que se prolongam no tempo tendem a perder sentido.
Acontece com frequência nas intervenções no parlamento. A maior parte delas caberia num tweet de 140 caracteres. Não defendo que os deputados falem três minutos, não sempre, mas sei que 15 minutos são uma eternidade quando se fala com o objectivo de dizer, de facto, alguma coisa. Custa a elaborar, dá trabalho, porque em cada frase resumida há uma ideia concreta e, em questões complicadas de resolver, ao menos uma sugestão de que se está a avançar.
Descobri no Spotify um álbum de Martinho da Vila a cantar letras de Noel Rosa. Um dos temas, "Seja breve", resume na perfeição o que penso que deveriam ser os debates parlamentares e a maioria das reuniões em Portugal: "Seja breve, seja breve/ Não percebi porque você se atreve/A prolongar sua conversa mole/Que não adianta/ Seja breve/ Não amole/ Senão acabo perdendo o controle/ E vou cobrar o tempo que você me deve". Porque o tempo não pertence só aos que falam. É também, e muito, dos que ouvem.

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