Não tenhais medo... da bondade e da ternura

Graça Franco
RR on-line 19-03-2013 13:09

Talvez Francisco seja já um primeiro dom obtido para a Igreja, pela oração de Bento XVI.
Os olhos do mundo ficaram nos últimos dias focados em Roma. Numa espécie de frenesim expectante. Tentando interpretar silêncios e sinais. Pendente das palavras e perscrutando os gestos de um velho vestido de branco e aspecto bondoso. Mas os holofotes do mundo mediático, em que vivemos imersos, odeiam o vazio, exigem narrativas claras, sínteses e antíteses. Vindo de tão longe e próximo do povo quanto o carismático João Paulo II? Capaz de traduzir em palavras simples a riqueza teológica com Bento XVI que fascinou o mundo intelectual? Continuidade ou ruptura? E, de repente, até a retórica dos média parece desarmada perante a simplicidade única de Francisco. Em menos de uma semana, o mundo parece render-se ao carisma desarmante da testemunha. Talvez o novo Papa seja já um primeiro dom obtido, para a Igreja, pela oração de Bento XVI.
Hoje, na pequena praça onde João Paulo II incentivou os cristãos a não terem medo de abrir as portas ao Redentor, o Papa Francisco acrescentou, apoiado agora no exemplo de S. José, um novo desafio: "Guardemos Cristo na nossa vida, para guardar os outros, para guardar a criação!". Sem medo de ser, simultaneamente, "homens de coragem" e de "bondade e de ternura". Ternura que "não é a virtude dos fracos, antes pelo contrário: denota fortaleza de ânimo e capacidade de solicitude, de compaixão, de verdadeira abertura ao outro, de amor. Não devemos ter medo da bondade, da ternura!".
Francisco disse-o mas, minutos antes, já o mostrara ao mundo numa imagem que as câmaras fixaram e dificilmente poderá ser esquecida. No giro pela praça, ao saudar os fiéis, os olhos do Papa cruzaram-se com os de um rapaz encostado à vedação, transportando, em braços, não uma criança, mas um homem maduro e doente. O Papa fez parar o cortejo, desceu do carro, e dirigiu-se solícito ao doente de paralisia cerebral. Beijou-o e afagou-o demoradamente, até que, num rasgado sorriso, partilhado na emoção de quem o transportava, o doente lhe devolveu reconhecido o gesto. Como não evocar, nesta figura de um pai cheio de solicitude, a figura de Cristo consolador?
O mundo precisa deste suplemento de humanidade e testemunho. E o Papa vai ao encontro desse desassossego espiritual, quando não se limita a falar para os 1,3 mil milhões de crentes católicos e sublinha que a "vocação de guardião" não diz respeito apenas aos cristãos, "mas tem uma dimensão antecedente, que é simplesmente humana e diz respeito a todos: é a de guardar a criação inteira, a beleza da criação. (…) É guardar as pessoas, cuidar carinhosamente de todas elas e cada uma, especialmente das crianças, dos idosos, daqueles que são mais frágeis e que muitas vezes estão na periferia do nosso coração. (…) É viver com sinceridade as amizades, que são um mútuo guardar-se na intimidade, no respeito e no bem".
Este apelo veemente à coerência de vida e à total unidade de vida dos cristãos não está apenas presente nas palavras - está patente na totalidade dos gestos que marcaram os primeiros dias no novo pontificado. A começar pela sua constante referência a uma Igreja desejavelmente pobre (simbolicamente traduzida na opção, também ela franciscana, por uma cruz e anel de prata e numa veste despojada) e com opção preferencial pelos mais pobres. Bem como pela sua repetida referência ao bispado de Roma e ao verdadeiro poder papal enquanto serviço.
Não creio que possa ler-se esta referência, insistentemente repetida, como uma espécie de leitura minimalista da influência petrina, mas antes como um reflexo directo de uma genuína humildade e um reconhecimento da importância da colegialidade e da unidade da Igreja. Cristo deu um poder a Pedro, mas "de que poder se trata?", perguntava hoje o Papa na sua primeira homilia. "Não esqueçamos jamais que o verdadeiro poder é o serviço, e que o próprio Papa, para exercer o poder, (…) deve olhar para o serviço humilde, concreto, rico de fé, de São José e, como ele, abrir os braços para guardar todo o Povo de Deus e acolher, com afecto e ternura, a humanidade inteira, especialmente os mais pobres, os mais fracos, os mais pequeninos (…)".
"Guardar a criação, cada homem e cada mulher, com um olhar de ternura e amor, é abrir o horizonte da esperança, é abrir um rasgo de luz no meio de tantas nuvens, é levar o calor da esperança! E, para o crente, para nós cristãos (…) a esperança que levamos tem o horizonte de Deus que nos foi aberto em Cristo, está fundada sobre a rocha que é Deus".
Conhecido na Argentina por não poupar os poderosos, o novo Papa lança-lhes na primeira homilia um simples pedido: "Queria pedir, por favor, a quantos ocupam cargos de responsabilidade em âmbito económico, político ou social, a todos os homens e mulheres de boa vontade: sejamos «guardiões» da criação, do desígnio de Deus inscrito na natureza, guardiões do outro, do ambiente; não deixemos que sinais de destruição e morte acompanhem o caminho deste nosso mundo".

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