Ser falado

Inês Teotónio Pereira , ionline 23 Mar 2013
A melhor coisa que se pode fazer a uma criança é falar sobre elafingindo que não sabemos que ela está a ouvir
A melhor coisa que se pode fazer a uma criança é falar dela. Não é falar com ela, porque as crianças dispensam conversa. O que elas querem mesmo é a prova concreta e irredutível de que são importantes. E o que é verdadeiramente importante é falado, é notícia, é comentado. Se não é importante, não há fofoca. Ora, as crianças adoram ser a fofoca dos pais. O seu ego insufla quando ouvem os pais a falar sobre elas. Não interessa o tema da notícia, do falatório; o que interessa é que seja sobre o filho. E só assim é que eles medem a importância que têm: por ouvirem falar deles. Nós, pais, devemos ser uma espécie de telejornal dos nossos filhos se quisermos fazê-los felizes.
A melhor coisa que se pode fazer a uma criança é falar sobre ela fingindo que não sabemos que ela está a ouvir. Tipo atrás da porta, ao telemóvel com uma amiga, com a avó ou com o periquito. Ouvir estas conversas dos pais é uma maravilha, um conforto e o alimento da alma de qualquer criança. A conversa até pode ser sobre as notas miseráveis ou sobre o mau comportamento, não interessa. Até podemos estar a falar sobre as borbulhas que lhe apareceram ou sobre a tosse que não passa. O que interessa é garantir que a criança saiba que está a provocar uma reacção nos pais, que não lhes é indiferente. Que os pais se preocupam, estão atentos a ela, e de tal forma estão que até falam com outras pessoas sobre o assunto. É que, se falam com outras pessoas, é porque, além de ser importante, quer dizer que aquilo que dizem é mesmo verdade.
Um dos problemas sérios que nós temos com os nossos filhos é que eles não acreditam em nós quando os elogiamos directamente. Neste capítulo, não temos credibilidade nenhuma. Temos noutros: se lhes dizemos que Deus existe, eles nem questionam; e se lhes garantimos que a terra é redonda, eles também não duvidam. Agora, quando falamos sobre as suas qualidades e virtudes, já é diferente. Eles sabem que nós somos cegos, que achamos mesmo que elas são as crianças mais bonitas do mundo, quando é evidente que não são, ou que nós achamos que eles são os mais inteligentes apesar das más notas - "porque, se tu quiseres, consegues ter Excelente". É evidente que este tipo de afirmações e raciocínio arrasa com a nossa credibilidade. A partir daqui, tudo o que lhes dissermos directamente é lixo.
Ora, elogiar directamente uma criança é erradíssimo e só dá cabo da nossa credibilidade. Os pais não devem arriscar neste campo. Devemos encorajá-los, motivá-los, animá-los, etc. Agora, elogiá-los directamente, nunca. Não temos jeito nenhum para a coisa. Para os elogiar e revelar a importância que eles têm, temos mesmo de o fazer indirectamente. Temos de arranjar um interlocutor.
Nós, pais, temos imensas preocupações com a auto-estima dos nossos filhos. E com razão: até muito tarde, a auto-estima deles depende unicamente de nós. Depende do que eles acham que nós achamos deles. Se lhes passa pela cabeça que a expectativa e o retrato que fazemos deles não é o real, está tudo estragado. E como nós já arrasámos a nossa credibilidade à conta da enorme quantidade de elogios parvos que lhes fizemos, só fazendo notícia deles é que conseguimos pontuar na auto-estima dos nossos filhos.
Claro que não vale a pena exagerar: por exemplo, tenho um filho que acha que o Papa se chama Francisco por causa dele, que nem Assis nem Xavier têm alguma coisa a ver com o assunto. Na verdade, para ele, este Papa é o segundo. Ora, neste caso, nem elogios directos nem indirectos: a auto-estima da criança está muito bem e estima-se.

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