Como se fez Relvas

Vasco Pulido Valente
Público 06/04/2013
Em princípio, não se percebe por que razão um político adulto, já na meia-idade, se resolve condecorar com uma licenciatura, presumivelmente para ser ministro. Nada na Constituição impede que um indivíduo com o 9.º ano de escolaridade ou mesmo sem escolaridade nenhuma possa ser ministro (embora saber ler e escrever talvez lhe facilite as coisas). A obsessão com a licenciatura é tipicamente portuguesa. Num país, coitado, que até há pouco tempo tinha 70 por cento de analfabetos, alguma intimidade com as letras elevava o cidadão comum ao cume da eminência intelectual. E, apesar dos progressos do último século, o preconceito persistiu na cultura indígena. O "dr." (ou eng. ou arq.) à frente do nome afirma o direito do maior burro ou, mais frequentemente, do maior ignorante a mandar no próximo e a receber a devida consideração dos povos.
Miguel Relvas (e também José Sócrates) não resistiram à "vergonha" de se apresentar como na verdade eram e foram a correr arranjar um título "respeitável", de que não precisavam, para se mostrar aos portugueses. Como antigamente os merceeiros ricos se torciam para ascender à dignidade de comendador ou de barão. Ninguém os levava a sério, como hoje ninguém leva a sério os licenciados que universidades de 3.ª ou 4.ª categoria fabricam à pressa para consumo da ingenuidade portuguesa. De resto, e para voltar ao caso Relvas, com Bolonha ou sem Bolonha, a troca de créditos profissionais pela frequência efectiva de um ensino desinteressado não passa de uma obscenidade. Um "curso" não é a mera aquisição de conhecimentos (ou, se preferem, de "saberes"), é uma educação regrada e progressiva, que inevitavelmente leva muito tempo e custa muito esforço. Trocar isso por um ornamento social não faz qualquer espécie de sentido.
Pior ainda: quem no fundo educou Miguel Relvas (além da família, claro) acabou por ser o PSD, onde ele viveu desde a adolescência. No PSD aprendeu, e aprendeu seriamente, como se progride numa seita. Por outras palavras, como se manobra, como se anulam os adversários, quem e quando se deve seguir e promover. Na sua declaração final Relvas lembrou o período em que trabalhara na eleição de Passos Coelho: primeiro para Presidente do partido e, a seguir, para primeiro-ministro. Esse, sim, é o verdadeiro Relvas e um certificado duvidoso não mudou, nem mudará a criatura.

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