Dois lutadores antimáfia

Sol 11 de Junho, 2013por Jaime Nogueira Pinto
Os tempos modernos têm os seus mártires. A maioria destes mártires – alguns milhões – morreu no universo comunista e noutros espaços concentracionários; outros, como milhares de sacerdotes e leigos católicos na Espanha da Frente Popular; outros morrem ainda hoje, na África ou Médio Oriente, onde o radicalismo paranóico faz deles vítimas.
Mas há outros mártires da fé: no passado 26 de Maio, o Papa Francisco anunciou a beatificação de D. Pino Puglisi, assassinado há vinte anos, em Palermo, Sicília, pela máfia. A razão da execução do padre Puglisi foi a acção social junto dos jovens da rua, que disputou e arrancou às malhas do crime organizado. No decreto de beatificação, refere-se que ele foi assassinado por aqueles que têm «ódio à fé».
A causa da beatificação do padre Puglisi fora aberta em 1999 e concluída em 2012 por Bento XVI. A beatificação foi em Palermo, onde nascera em 1937 e morrera assassinado em 1993, por um sicário à ordem de dois capos mafiosos, os irmãos Graviano.
Este episódio lembrou-me outro lutador antimáfia, Cesare Mori, cuja vida e obra na Sicília serviram de tema a uma série televisiva da RAI que também vi agora.
Mori tem uma história fascinante: nascido em 1871 foi recolhido num orfanato e reconhecido, aos oito anos, pelos progenitores; estudou na Academia Militar de Turim e seguiu a carreira de Polícia. Foi nomeado comissário em Trapani, na Sicília, onde se distinguiu pela eficácia dos seus pouco ortodoxos métodos anticrime.
Mori não tinha medo de nada. Durante a Grande Guerra, chefiou esquadras especiais anticrime. Percebeu então que além da arraia-miúda dos delinquentes – assassinos profissionais, ladrões de gado, desertores – havia um escalão superior, da gente 'bem', importante, intocável, que comandava na sombra. Mexeu-lhe, e acto contínuo, foi promovido e transferido para Turim.
Em Fevereiro de 1921, foi nomeado prefeito de Bolonha. Era o tempo da luta entre os fascistas e as esquerdas, guerra de ruas e de expedições punitivas. Mori, para fazer cumprir a lei, disciplinou duramente os contendores. Quando os fascistas subiram ao poder, em Outubro de 1922, já não estava em Bolonha. Mas o próprio Mussolini o chamou para, usando do mesmo rigor que tinha usado contra os fascistas, acabar com o domínio mafioso na Sicília. No telegrama de nomeação, o duce dava-lhe «carta branca para restabelecer na Sicília a autoridade do Estado; se as leis em vigor forem um obstáculo, faremos novas leis sem qualquer problema».
Em quatro anos, assim apoiado pelo poder central, com coragem, inteligência e determinação, Mori conseguiu reduzir drasticamente o polvo mafioso, (os homicídios na província de Palermo passaram de 268 em 1925 para 77 em 1926), atingindo as cúpulas da organização e os seus cúmplices políticos e sociais, entre os quais um ex-ministro e o próprio secretário-geral local do Partido Fascista. Em 1929, Mori foi nomeado senador. Morreu em 1942.
Deve ter sido a única vez que a 'Honrosa Sociedade' vergou a cabeça. Em 1943, nas vésperas do ataque à Sicília, os americanos foram buscar Lucky Luciano a uma prisão federal, libertando-o para os ajudar localmente nas operações de desembarque.
E a máfia renasceu e prosperou desde então. Até hoje.

Comentários

Anónimo disse…
Caro Prof:

Um tema mt interessante e corajoso para quem escreve ou toma posições sobre ele. Lembra-me uma quadra do meu amigo Cor. José Caniné:
Ergue-te Homem, pede a Lua,
Com Alma grande, com Fé;
Nem sempre ela será tua,
Mas, de rastos, nunca é!
Ab
Manuel Bernardo

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