Respeito pelos mestres

JOÃO CÉSAR DAS NEVES
DN 2013-06-17

Os professores são pessoas sérias e dignas, profissionais competentes e responsáveis. Isto é evidente e indiscutível, mas hoje deve ser lembrado e repetido, perante o espectáculo indecoroso que a classe tem dado ao País. É mesmo necessário tentar compreender como podem pessoas razoáveis e sensatas comportar-se desta maneira.
O instrumento da greve, decisivo nas lutas heróicas dos trabalhadores, anda agora muito desvirtuado. Ainda existem casos clássicos de confronto laboral, mas nas empresas em concorrência, onde o conflito prejudica gravemente patrões e trabalhadores, as discussões são resolvidas rapidamente, em geral sem embate. Assim o uso actual mais comum da greve é como arma política nas mãos de sectores protegidos. Em Portugal, quem a utiliza são serviços infra-estruturais, pagos por impostos ou tarifas e imunes às consequências económicas das suas paralisações.
Mas mesmo entre as greves de funcionários, esta ultrapassou em muito os limites de um conflito laboral civilizado. Usar os alunos, em período de exames, como reféns dos interesses particulares é uma infâmia das mais vergonhosas. Que isso seja realizado não por estranhos mas pelos próprios mestres, parece inacreditável. Não é fácil encontrar uma classe que se preste a tal testemunho público de insensibilidade, arrogância e oportunismo.
Quaisquer que sejam os agravos envolvidos e a razão que lhes assiste, os meios usados são inaceitáveis. As leis mudam-se e os ministros passam, mas uma atitude destas ficará como mancha na profissão. Como é possível acontecer isto, sobretudo entre aqueles mesmos a quem confiámos a educação das nossas crianças e jovens e que, por isso, deveriam mostrar elevação especial? Será que afinal a tão falada crise do sector é mais profunda e temos desvairados irresponsáveis a dar aulas? Não podemos esquecer que os professores são pessoas sérias e responsáveis. A explicação tem, portanto, de estar noutro lado.
Em primeiro lugar, aqueles que decidem não são os professores, mas dirigentes, naturalmente mais extremistas. Pior, o sector tem atraído muitos agitadores profissionais, que apostam na subversão como resposta nacional. Mas a questão é substantiva e não se reduz a divergências entre representantes e massas.
O problema que se criou no sector durante as longas décadas de euforia a crédito é dos mais graves. Nos tempos de facilidade fizeram-se avanços espantosos, mas também loucuras inacreditáveis. A época da "paixão pela educação", que se traduziu em atirar dinheiro para um dos sectores mais delicados, gerou melhorias notórias, com vícios patentes. Basta ver que, enquanto o número de estudantes no ensino básico caiu mais de 25% desde 1986, data da entrada na CEE, os docentes do mesmo nível no mesmo período subiram 30%, apesar dos cortes recentes. O sector constituiu um refúgio para muitos sem vocação de ensino. Inventaram-se reformas, cursos e métodos surreais, para satisfazer o excesso de docentes, não necessidades dos alunos. O problema tinha de rebentar mais cedo ou mais tarde. E agora, quando o ajustamento é inevitável, as condições em que se desenrola proporcionam o máximo de irritação.
Os professores são pessoas superiormente inteligentes, com uma tarefa muito exigente. Enfrentar uma turma é uma das actividades psicologicamente mais constrangedoras e absorventes. A pressão é grande e não é qualquer um que dá aulas de qualidade; só mesmo quem tem vocação. Por outro lado, os docentes são facilmente sugestionáveis, pois têm tempo livre e funcionam em comunidade. As suas salas de convívio facilmente se transformam em incubadoras de raivas e agravos. Basta uma faísca e tudo fica explosivo. Nos últimos anos, as labaredas foram várias. Entrando em curto-circuito de exaltação, não admira que pessoas comuns se aprestem a comportamentos aberrantes. Caindo em si, percebem o mal em que participam.
Os exames de 2012/13 não são assunto menor, mas um caso muito sério, que nos deve fazer pensar. Apesar de tudo, nunca devemos perder o respeito pelos professores.

Comentários

Anónimo disse…
Em 1960, na Suécia, não havia greves nos serviços de saúde. Quando se chegasse a um impasse, quem fazia greve pelos enfermeiros, médicos, técnicos, etc. eram outra profissões: bancários (não havia multibanco), estivadores, transportes públicos, etc. As greves nalgumas profissões são, além de impopulares, de risco.
Aqui, neste país de pacotilha, querem inventar a roda quadrada. Na altura a URSS já tinha inventado a roda triangular que dava menos um solavanco...

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