Tó: Um Homem às Direitas!

Roberto Carneiro
Facebook, 2013-08-27

Conheci o Tó Borges em 1967. Ele tinha entrado para o ISCEF (Quelhas) enquanto eu andava, há dois anos no IST (Alameda). Creio que nos conhecemos na Residência de Estudantes das Avenidas, na Rua António Cândido, onde eu fazia umas sessões de entrada na universidade para caloiros.

Homem de Fé e de Ideais, cedo nos tornámos colegas de combates que ambos considerávamos justos: no jornal universitário"O Tempo; na Acção Católica; no Gabinete de Estudos e Planeamento da Acção Educativa; na Universidade; em tertúlias, retiros, e actividades filantrópicas.

O Tó era um rapaz dotado de inteligência, meticulosidade, persistência e convicção extraordinárias. Muito acima da média. Ou seja, aliava as quatro características fundamentais para o sucesso pessoal e profissional. Qualidades essas que, infelizmente, escasseiam entre nós.

Arguto, por tudo se interessava, desde a Economia que ele cultivou até ao fim da vida, à coudelaria e à vinha de Alter do Chão, no Alto Alentejo, que ele tanto amava. Encontrei-o uma vez no avião provindo dos Estados Unidos com pequeno vaso na mão que ele acariciava com enorme cuidado. Explicou-me então, perante a minha perplexidade: "Olha Bob (assim me tratava, enquanto ele era para mim o Tó), trago um pequeno pé de vinha da Califórnia para ensaiar um enxerto numa vinha nova que estou a plantar em Alter!"

Meticuloso, planeava à exaustão a carreira, o futuro da família com o bem-estar da qual se preocupava (Isabel, companheira de mais de quatro décadas, os quatro filhos, e mais recentemente, os netos que adorava, de entre os quais a benjamim Ritinha, em cujo baptizado teve a felicidade de participar, há apenas uma semana atrás), as aulas, as finanças pessoais. Era um metódico exasperante.
A título de curiosidade, direi que creio bem ser o Tó quem primeiro inventou a folha de cálculo.
Lembro-me, como se fosse hoje, de, ainda enquanto estudante, trabalhar umas enormes folhas de papel quadriculado, tipo A1 (meio m2) em que ele inscrevia, numa matriz 2X2: nas linhas horizontais as despesas diárias (tipo: 30 centavos bilhete de autocarro, 1,5 escudos bica, 6 escudos almoço, etc.) e nas colunas verticais as despesas classificadas por grandes agregados (tipo: transportes, alimentação, entretenimento, livros, etc.). Depois tinha um algoritmo que lhe permitia estabelecer tectos de despesa por categoria sujeitos ao constrangimento matemático de um orçamento mensal. A rematar, aplicava uma equação que lhe permitia ir optimizando as despesas de forma ultra-racional.

Contumaz, perseguia o objectivo sem descanso até o alcançar. Para ele, não havia causas perdidas, só pessoas que, por pusilanimidade, as perdem.
Recordo-me bem de uma vez a jogar futebol de salão estarmos a perder por 5-0 a 15 minutos do final. O Tó animava-nos gritando: "vamos virar o jogo". Quando a 3 minutos do fim se completa a reviravolta e empatamos 5-5, o Tó não descansa e proclama ainda mais alto: "Malta, vamos ganhar". E assim foi, mercê de um golo meio enrolado, em que entram pela baliza dentro, guarda-redes, defesa, avançado e, mais importante que tudo o mais, a bola.

Mas, acima de tudo, o Tó movia-se por convicções. Ele detestava pessoas acomodatícias que não tinham opinião e que esperavam a melhor oportunidade para afirmar o "politicamente correcto".
Num debate público numa universidade, em que participámos ambos do lado da defesa da vida, esgrimiam-se elaborados argumentos pró e contra a interrupção voluntária da gravidez: o momento em que há vida, a nidação, o choque de interesses mãe vs bébé, as determinantes sociais, as consequências psicológicas, etc. Chega a sua vez e ele diz: "sou contra o aborto por 3 razões: porque faz mal à saúde da mãe, porque é crime de homicídio, e porque é pecado". E acabou, ponto final parágrafo.

Desapareceu um homem polémico mas respeitado por todos os quadrantes.
Caíu de pé, lutando, como toda a sua vida o fez.
Temido pelos alunos, pela sua severidade e rigor, mas amado pela qualidade das aulas, nunca ouvi a ninguém acusá-lo de injusto.

Assim é. 
Perdemos um homem justo, um homem às direitas.

Roberto Carneiro
25 de agosto de 2013

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