Clima de festa

ALBERTO GONÇALVES

DN 2013-09-22

Parece que o presidente da Câmara Municipal de Esposende (CME), João Cepa, gastou 5266,80 euros dos cofres do município para oferecer dois mil terços a outros tantos idosos do concelho. Não satisfeito, acrescentou 16 560 euros, naturalmente públicos, para alugar 32 autocarros e enviar os ditos idosos numa peregrinação a Fátima. Na página do Facebook da CME, conclui-se que a viagem foi um sucesso, com direito a missa, piquenique junto ao santuário e, cito, "a partilha dos farnéis e o convívio entre os participantes, em clima de festa e alegria". Os que defendem o social-democrata João Cepa, leia-se o próprio, explicam que o homem não é candidato nas próximas eleições autárquicas. Os que o atacam evocam a separação entre o Estado e a Igreja.

É evidente que concordo com os segundos, embora me pareça que a restrição não baste. Além de se separar o Estado da Igreja, proeza que, aliás, já foi razoavelmente consumada há décadas, convinha com urgência separar o Estado do dinheiro alheio. A menos que se ache que o único problema desta história passa pelo carácter religioso das prendas e do destino. Se o sr. Cepa tivesse oferecido ao povo duas mil garrafas de espumante e um passeio à Bairrada, o caso seria diferente? Suponho que não.

Limitar a generosidade dos autarcas apenas nas matérias da fé é continuar a dar-lhes livre trânsito para estraçalharem o rendimento de quem trabalha em pândegas sem eucaristia, rotundas sem evangelho, "multiusos" sem sacerdote, "requalificações" de "envolventes" sem redenção. E isto para ficarmos pela iconografia mais representativa do entusiasmante "poder local".

Se quisermos ir um bocadinho além, consultar o portal base.gov.pt é descobrir todo um universo de despesas peculiares em que as autarquias também se especializaram. Há os cinco mil euros gastos pela CM de Faro nos serviços de "manutenção e suporte" de um "software de gestão desportiva", os sete mil euros gastos pela CM de Miranda do Corvo em bilhetes de avião para a Turquia, os 42 mil euros gastos pela CM de Barcelos num misterioso "compressor Nitrox", os 24 mil euros gastos pela CM da Amadora na "concepção de um desdobrável para as eleições", os dez mil euros gastos pela CM de Sousel num espectáculo com "o artista "Quim Barreiros"" (curiosamente, "artista" aparece sem aspas), os quatro mil euros gastos pela CM de Loulé em máquinas de musculação ("e stepper"), os 54 mil euros gastos pela CM de Serpa na "aquisição de serviços para a direcção do Centro Musibéria", os 6500 euros gastos pela CM de Aljustrel num "monobloco em betão", os 50 mil euros gastos pela CM de Vila Pouca de Aguiar na "tradicional Feira das Cebolas" e, para não cansar e terminar em grande, as largas dezenas de milhares de euros gastos pela CM de Lisboa em incontáveis passagens aéreas para Dublin, Odense, Belfast, Luxemburgo, Helsínquia e onde calha.

Tudo isto, acreditem ou não, são exemplos colhidos na semana agora finda, em suposta época de crise. Multipliquem-nos pelas cerca de duas mil semanas de municipalismo democrático e não se esqueçam: no dia 29, corram às urnas. O voto é um direito e um dever. E, para eles, uma festa e uma alegria.

Comentários

Mensagens populares deste blogue

OS JOVENS DE HOJE segundo Sócrates

Hino da Padroeira

O passeio de Santo António