Ai, a humanidade!

Alberto Gonçalves
DN 2013-10-15
Uma amiga que trabalha no ramo falou-me recentemente e entre risos do sofrimento de inúmeros pais no momento de deixar o rebento no infantário. Ao que parece, a coisa não se distingue da despedida dos soldados que partiam para o Ultramar, com lágrimas e tudo. Uma das poucas diferenças é que os combatentes em África não estavam "monitorizados" (julgo ser o termo usado) por um sistema de vigilância que informasse os familiares das suas actividades diárias. Os rebentos começam a estar.
Vi no "telejornal". O sistema chama-se My Child, já foi adoptado em Portugal por dezenas de creches e similares e consiste numa "rede social" (também é o termo usado) que permite aos paizinhos acompanharem no computador, através de fotografias e vídeos, o fascinante quotidiano dos filhinhos. O filhinho come flocos ao pequeno-almoço? Os paizinhos vêem. O filhinho desenha um rabisco? Os paizinhos observam. O filhinho dorme a sesta? Os paizinhos contemplam. O filhinho bolsa? Os paizinhos admiram, ao longo do dia e com provável prejuízo do trabalho pelo qual alguém absurdamente lhes paga.
Não cabem aqui algumas considerações sobre as maleitas sociais e psíquicas de que semelhante toleima é sintoma: a solidão e o vazio de tantas vidas, a infantilidade dos padrões de comportamento, o alheamento face às responsabilidades, a obsessão maníaca elevada a norma. Limito-me a lembrar que o desmesurado zelo dedicado ao presente das crianças garante--lhes um futuro no mínimo sombrio. E isso, se as circunstâncias não dessem vontade de rir, é que mereceria copioso pranto.

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