O Papa Francisco não tem culpa...

Elias Couto

Aos católicos não se exige que gostem de cada Papa. E, portanto, é normal haver quem se entusiasme com o Papa Francisco e não visse nada de interessante no seu antecessor. Seria conveniente, no entanto, não cair na armadilha, potenciada pelas redes sociais, de, para louvar o Papa Francisco, denegrir Bento XVI. E menos ainda se deveria cair na armadilha de faltar à verdade. Afinal, na Igreja, como também ensinou Bento XVI, a única hermenêutica válida, porque a única capaz de a edificar, é a hermenêutica da continuidade, não a da ruptura.

1. Há coisas para as quais não tenho paciência. Uma delas é a falta de rigor com que tantos jornalistas usam as palavras do Papa Francisco para promover agendas alheias ao Papa. Outra, é o modo como os panegiristas do Papa Francisco cultivam uma espécie de populismo próprio de ditaduras terceiro-mundistas, mas muito pouco adequado a uma Igreja com quase dois mil anos de história e 266 papas, desde S. Pedro. O Papa Francisco não tem culpa, mas...
2. Não tenho paciência para o modo como muitos, mesmo católicos, nas aras de incenso elevadas em louvor do Papa Francisco, denigrem os seus antecessores, sobretudo Bento XVI e João Paulo II. Segundo alguns, dá a sensação de termos saído de um longo inverno eclesial, decadente e triste, para a luminosidade de uma primavera sem sombras nem nuvens. Ora, de facto, saímos de anos, alguns deles terríveis, marcados por um esforço titânico para restaurar os muros derrubados e o rosto sujo da Igreja de Cristo, esforço protagonizado, sobretudo, pelos imediatos antecessores do Papa Francisco. Só assim se tornou possível o ânimo com que, agora, tantos se lançam com alegria a viver de novo a aventura da fé, alentados pelo optimismo e pelas originalidades do Papa.
3. «Eu nunca vi, um Papa... estender a mão e tocar as pessoas; abraçar, em vez de dar a mão a beijar; afagar crianças com ternura sem ser para aparecer na foto; que não fala em pecado; dizer que os mais pobres são os que mais praticam a generosidade; dizer que a acção vale mais do que a palavra; dizer que a medida da grandeza de uma sociedade reside no modo como ela trata os mais pobres; dizer que é preciso ouvir os jovens; falar do humanismo desumano que estamos vivendo; dizer que é preciso defender uma realidade humana, valores éticos... antes do Papa Francisco».
4. Não é possível encontrar uma coisa destas espalhando-se pelas redes sociais sem perder a paciência. Basta uma pesquisa rápida na internet para encontrar tudo isto e muito mais nos ensinamentos da Igreja e, para não ir mais longe, nos de Bento XVI e João Paulo II. Dito com outro estilo, sem cair nas boas graças da comunicação social, mas dito, escrito, ensinado, vivido. E, afinal, se o Papa Francisco é o primeiro que «afaga crianças com ternura sem ser para aparecer na foto», o que está a dizer-se dos seus antecessores? Que eram uns hipócritas?
5. Dir-se-á, talvez, que este é o tipo de panegírico exagerado, próprio do calor do momento. Eu, nada adepto deste tipo de "entusiasmos", direi que não é bem assim, pois até em artigos e entrevistas encontro com facilidade a mesma estrutura – o Papa «bom» e os anteriores para esquecer – embora com maior elegância na forma e com mais background teológico nos conteúdos.
6. «Enfim, não é uma "outra Igreja" que tem de nascer. É uma "Igreja outra" que (já) está a surgir. No coração de muitas pessoas». Bastaram seis meses de pontificado?... É obra. «Aliás, o povo de Deus "quer pastores e não funcionários ou clérigos de Estado"». Bento XVI lá dizia, com aquele seu jeito humilde e descansado, que o sacerdote «não é simplesmente o detentor de um ofício, como aqueles de que toda a sociedade tem necessidade, para nela se realizarem certas funções. É que o sacerdote faz algo que nenhum ser humano, por si mesmo, pode fazer»: pronuncia as palavras da absolvição, as palavras da transubstanciação... «Por conseguinte, o sacerdócio não é simplesmente "ofício", mas sacramento». E também, falando de Deus como «pastor» da humanidade: «O sacerdote, no âmbito que lhe está confiado, deveria poder dizer juntamente com o Senhor: "Conheço as minhas ovelhas e elas conhecem-me». E explica: «"conhecer" significa estar interiormente próximo do outro, amá-lo». Claro, isto dá que pensar e não se transforma facilmente num slogan simpático, no qual se vê nascer uma «Igreja outra». Mas foi pensado, dito e redito pelo Papa Bento XVI, como antes por João Paulo II. E, no entanto...
7. Aos católicos não se exige que gostem de cada Papa. E, portanto, é normal haver quem se entusiasme com o Papa Francisco e não visse nada de interessante no seu antecessor. Seria conveniente, no entanto, não cair na armadilha, potenciada pelas redes sociais, de, para louvar o Papa Francisco, denegrir Bento XVI. E menos ainda se deveria cair na armadilha de faltar à verdade. Afinal, na Igreja, como também ensinou Bento XVI, a única hermenêutica válida, porque a única capaz de a edificar, é a hermenêutica da continuidade, não a da ruptura.
8. O Papa Francisco não tem culpa. Tem um estilo muito próprio – como cada papa antes dele. E com o seu modo de ser, com as suas palavras e os seus gestos está a fazer muito bem a imensos fiéis, à Igreja e a tanta gente há muito afastada da Igreja. O problema não é o Papa Francisco, mas aqueles que, "à boleia" do Papa Francisco, procuram a ruptura na Igreja. Podem até fazê-lo por amor à Igreja e ao Papa, mas é um amor equivocado. E, deste modo, em vez de potenciarem a acção do Santo Padre, acabam por reduzi-la a uma caricatura populista que o Santo Padre certamente não deseja e apenas serve para abrir novas feridas na já de si tão abalada unidade da Igreja.

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