As raparigas

Inês Teotónio Pereira
Ionline 2013-11-30

Nesta idade os rapazes acham que as raparigas são chatas e as raparigas acham que os rapazes são estúpidos
No outro dia a minha filha chegou a casa e declarou o seguinte: "Já não sou amiga da Teresa!" Perguntei-lhe porquê: "Porque a Teresa é amiga da Leonor..." Fiquei na mesma: "Qual é o mal disso?" E é então que ela responde o óbvio mostrando-se um bocadinho impaciente com a minha ignorância: "Então, é que a Leonor não é amiga da Beni!"
Foi então, depois deste diálogo elucidativo, que percebi que a minha filha já não era nenhum bebé, era uma rapariga. As amigas, as zangas com as amigas, as sucessivas reconciliações com as amigas, os inúmeros desenhos de coisas "fofinhas", as queixinhas de tudo e de todos e os guinchinhos tomaram conta dela. O desprezo que ela tem pelos rapazes e o tempo que ela demora a pentear-se só para irritar os irmãos e para fazer inveja às amigas, são a confirmação da maturidade feminina da minha menina.
A minha filha é o verdadeiro exemplo da natureza feminina. Ela vive no meio de cinco irmãos e todos os dias luta pela igualdade de género. Ela vive num mundo de homens e nunca reclamou quotas - nunca precisou. Durante os últimos sete anos de vida ela aprendeu a arte do futebol, a jogar ao berlinde, a dominar o Fifa e a lutar. Ela sabe dar murros e pontapés muito melhor do que brincar às bonecas. E ao mesmo tempo que tenta superar os irmãos em todas as competências, ela vai desenvolvendo competências que só ela é que as tem: ela sabe dar beliscões com uma enorme descrição, sabe dramatizar como ninguém, sabe guinchar e chorar com ou sem vontade, sabe gerir os silêncios, conquistar quem ela quer conforme o interesse do momento e sabe ceder só para eles se sentirem vitoriosos e a deixarem em paz. Ela consegue ser subtil ou um terramoto com uma diferença de 10 segundos.
Ela não se importa de ceder aos rapazes. Os rapazes para ela são apenas umas crianças que não evoluem ao seu ritmo. Ela também já brincou à bola mas já passou essa fase... E tem alguma condescendência por quem não consegue fazer mais nada nos intervalos da escola que não seja jogar futebol. Ela no fundo acha-se superior aos rapazes. Os rapazes não falam uns com os outros, apenas brincam. Ela não, ela faz tudo: ela fala, zanga-se, conta histórias, tem acessos de risinhos parvos, inventa outras histórias, fala das outras amigas e ainda tem tempo para brincar, para chorar, para ter boas notas, para se preocupar com o cabelo e com a altura da saia, para ver televisão e para moer o juízo dos irmãos. Já os rapazes não: a vida deles gira à volta de uma bola, o que a torna aterradoramente simples. Muito poucachinho, diria ela. Nem o facto de os rapazes terem mais força do que ela a faz duvidar por um minuto da sua extrema importância, até neste capítulo ela encontrou uma forma de dar a volta à situação: ela aprendeu a dar beliscões porque descobriu que não é preciso ter força para os dar de forma a neutralizar o inimigo e fazê-lo chorar. Tem resultado.
Nesta idade os rapazes acham que as raparigas são chatas e as raparigas acham que os rapazes são estúpidos. E é assim até à adolescência. A partir daí as hormonas começam a disputar o lugar do futebol no cérebro dos rapazes e fenómenos como o Justin Bieber e os One Direction fazem uma espécie de OPA ao cérebro das raparigas. Mas até lá a minha menina é um ser claramente superior. E muito complexo.

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