Papa Francisco, outra vez

Carla Hilário Quevedo
Ionline 2013-11-30

O capitalismo tirou milhões de pessoas da miséria, mas a falta de regulação do sistema, as crises financeiras e o desemprego revelaram que os homens não são santos
Todos os dias temos algo a dizer sobre o Papa Francisco. Isto acontece por uma razão simples: o sumo pontífice não é adepto do recolhimento, do silêncio nem da solidão. O Papa, este em particular, está virado para fora, para os outros, para um mundo que vive um momento talvez não muito diferente de outros igualmente graves, mas que tem a particularidade de ser aquele em que vivemos. O Papa e nós somos contemporâneos num momento que parece ser de viragem no mundo, mas que parece ainda nebuloso e indefinido, como qualquer tempo que nos está demasiado próximo.
O Papa Francisco tem sido de certa maneira "usado" pela esquerda em Portugal como uma voz inesperada que confirma uma ideologia. Assistimos nos últimos dias à loucura generalizada com a sua absolutamente previsível condenação do capitalismo. De repente, foi como se Francisco e Mário fossem a mesma pessoa, quando qualquer católico sabe que a exploração das pessoas, o endeusamento do dinheiro, a ideia de que existem seres humanos descartáveis, como o Papa tão bem caracterizou numa entrevista a um canal de televisão argentino, são questões que estão ou devem estar no centro da sua existência. É certo que o capitalismo tirou milhões de pessoas da miséria, mas a falta de regulação do sistema, as crises financeiras e o desemprego revelaram que os homens não são santos. Há aspectos positivos nesta ausência generalizada de santidade nos seres humanos, mas quando a ambição deixa de ser um motor de criação para passar a ser um fim sempre impossível de satisfazer na vida das pessoas, está tudo mal. Não é portanto por nenhum progressismo que o Papa Francisco, na sua primeira exortação apostólica, Evangelii Gaudium, condena um sistema que não oferece oportunidades a todos e que por isso exclui milhões de pessoas da possibilidade de terem uma vida digna. São questões demasiado sérias para se esgotarem em qualquer ideologia.
Igualmente sério foi o apelo há tempos do Papa a que os fiéis não estivessem obcecados com temas como o aborto ou o casamento gay. A exortação foi recebida pela esquerda como um sinal de "abertura" da Igreja Católica. A questão é, de novo, mais profunda. Coloquemos o problema deste modo: quando já decidimos sobre um assunto, continuamos a falar sobre ele incessantemente? Na maior parte das vezes não continuamos, precisamente porque houve uma decisão. A Igreja Católica tem uma posição claríssima a respeito do aborto e do casamento gay, não por ter havido uma decisão, mas por se tratar do dogma. O Papa chamou a atenção para a obsessão com questões que não estão abertas à discussão, lembrando a tolerância fundamental da Igreja.
De onde vem então o desejo tão forte de alguns católicos de julgar o próximo, de lhe apontar o dedo porque pecou? Como descreve o Papa de um modo eloquente: "Há cristãos que parecem ter escolhido viver uma Quaresma sem Páscoa." Negam a alegria, exigem condições ideais para terem fé. Desconhecem afinal que são "infinitamente amados". Ao escolherem a tristeza, negando espaço à alegria, à confiança pessoal necessária para continuar, estão a recusar a vida.

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