Famílias numerosas

Inês Teotónio Pereira
ionline 2014.03.22 

Portugal criou uma geração de pais que não arrisca ter descendência por medo, por insegurança, por opção ou por adiar opções
Em 1999, quando Fernando Ribeiro e Castro fundou a Associação Portuguesa das Famílias Numerosas, a sua preocupação era uma: que as famílias numerosas não fossem prejudicadas pelo facto de serem numerosas. Ele nunca reclamou uma discriminação positiva, reclamava apenas igualdade de tratamento. Ribeiro e Castro passou todos estes anos a lutar por uma causa que, mais do que de direito ou ideológica, é apenas justa. Lutou para que todos aqueles que optem por ter mais de três filhos não sejam prejudicados por isso em sede de políticas públicas. Lutou para que todos tenham verdadeira liberdade de escolha no número de filhos que desejam ter e que não seja o Estado o principal condicionador do exercício dessa liberdade. Lutou para que uma família numerosa possa ser uma pretensão real, ao alcance de todos os que desejam e não apenas daqueles que podem. Esta questão, este desígnio que Ribeiro Castro queria que fosse nacional, está longe de ser ideológico ou religioso: é apenas um desígnio de exercício efectivo de liberdade. Ribeiro e Castro morreu anteontem, mas deixa uma marca e uma causa num país que está hoje mergulhado numa crise de natalidade sem precedentes e sem respostas óbvias ou fáceis que invertam a pirâmide.
Ribeiro e Castro teve razão muito antes do tempo, teve razão muito antes de a crise das famílias ser tão profunda. Hoje, uma família numerosa é uma raridade e é de tal forma uma raridade que basta três filhos para se considerar numerosa. Mais do que três filhos é uma espécie de excentricidade e até pode ser notícia pela "coragem" de quem se atreve a desafiar o futuro dos filhos pelo facto de ter muitos filhos, ou por sacrificar o seu bem-estar, o seu sossego e a sua estabilidade, apesar de nem sequer ter a certeza de conseguir dar as condições supostamente ideais aos filhos. A associação até anteontem liderada por Ribeiro e Castro preocupou-se essencialmente com estas famílias, protegendo-as, e tudo fez para que a "excentricidade" de alguns pais se tornasse regra para todos aqueles que assim o desejam. A causa de Ribeiro e Castro foi, e é, uma causa e um direito consensual e incontestável de todos, quer pertençam ou não pertençam a uma família numerosa.
Hoje, Portugal precisa de muitos mais pessoas como Ribeiro e Castro que ajudem a ultrapassar um desafio que em 1999 parecia impensável, pois, hoje, o desafio da natalidade está longe de ser apenas a protecção das famílias numerosas. No nosso país, mais de metade dos casais com filhos tem apenas um filho e muitos casais nem arriscam ter o primeiro. O segundo filho é considerado um risco calculado, o terceiro um tiro no escuro e ao quarto filho já se faz um blogue. O desafio de hoje não é o número de filhos, é antes de tudo a opção de os ter ou de ter mais do que um. Apenas mais do que um.
Portugal criou uma geração de pais que não arrisca ter descendência por medo, por insegurança, por opção ou por adiar opções. Uma geração que sabe muito bem o que perde se tiver filhos e não tem a certeza daquilo que ganha se os tiver. Uma geração que foi habituada a programar a carreira da mesma forma que programa a família e em que o planeamento familiar assumiu um sentido muito para além das questões de saúde.
Hoje, as famílias numerosas são, apesar de tudo, um exemplo de que ainda é possível ter muitos filhos, apesar do medo, da insegurança e por opção. Ter filhos, muitos ou poucos - e foi também isso que Ribeiro e Castro nos ensinou -, é, apesar de tudo e também apesar do Estado, possível. A verdade é que os filhos são a única coisa verdadeiramente importante que cá deixamos. Fernando Ribeiro e Castro deixou-nos 13. Por tudo, muito obrigada.

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